quinta-feira, 15 de maio de 2014

QUANDO OS INIMIGOS NOS AJUDAM


Corre no Congresso Nacional o PL 8.018/2010i, de autoria do Dep. Jair Bolsonaro, que visa RESTRINGIR OS DIREITOS dos atiradores previsto no art. 6, inc. IX do Estatuto do Desarmamento.

Enquanto vemos multidões se mobilizando na busca de “porte de armas para atiradores”, através de revogação e ou modificação da Lei 10.826/2003, poucas pessoas atentam para o real teor da lei em vigor, especialmente no que diz respeito à única classe de civis contemplada como exceção à proibição geral ao porte de arma.

A lei 10.826/2003 é ditatorial por excelência, e já existe acórdão do STF (p 470) transitado em julgado atestando que se trata de uma lei com VÍCIO FORMAL DE DECORO PARLAMENTAR, segundo as lições de Pedro Lenzaii, pois a Lei 10.826/03 nasceu com dinheiro do mensalão. Qualquer operador de Direito sério deve levar em conta este fator ANTES de responsabilizar criminalmente um cidadão de bem com base nesta porcaria de lei.

Vale frisar, os maiores defeitos desta lei são:

  1. Exigência de condições SUBJETIVAS para a autorização de compra de armas, especificamente o que diz respeito à comprovação de “efetiva necessidade”, o que é quase impossível de se demonstrar na prática, e muito fácil de se derrubar, principalmente se considerando que por se tratar do instituto de Direito Administrativo da AUTORIZAÇÃO, que fica a critério meramente discricionário na autoridade;
  2. Para a expedição de Porte de Armas, que atualmente só pode ser concedido pela Polícia Federal, além do caráter discricionário da autorização, pelos motivos acima, ainda pesa o fato de que o mesmo é de forma geral PROIBIDO, sendo concedido o porte do art. 10 da lei em questão em caráter totalmente excepcional;
  3. O terceiro defeito está no nome que se deu à lei, “Estatuto do Desarmamento”, onde se explicitou o motivo primeiro de sua criação. Esta lei nasceu de objetivos definidos no Foro de São Paulo, firmados em decreto assinado pelo então Presidente Lula (PNDH-3), onde faço questão de frisar o prefácio assinado por Fernando Henrique Cardoso, sendo que se estipulou como META DE GOVERNO se desarmar a população civil (de bem);
  4. Como consequência da base ideológica inscrita no item anterior, veio uma armadilha bem engenhosa: conclamaram a população para REGISTRAR gratuitamente suas armas, mas já colocaram na lei um prazo curto para renovação destes registros, e condições absolutamente impraticáveis para a realização destas renovações. Só para citar um exemplo, o custo de uma renovação de registro suplanta o preço da maioria das armas que os cidadãos comuns possuem;
  5. Outro ponto importantíssimo: A lei foi feita NA CERTEZA de que existiria a proibição de venda de armas e munição em todo o território nacional, e isto influenciou os dois primeiros pontos aqui mencionados, fazendo com que a concessão para compra e porte viessem a forma de AUTORIZAÇÃO (que se dá quando a autoridade permite que se faça algo proibido) ao invés de LICENÇA (que se dá quando a autoridade controla algo que já é permitido). Autorizações são sempre precárias e discricionárias, enquanto licenças não;
  6. O principal ponto, o mais maléfico, o pior de todos, é o que diz respeito à propaganda institucional. A orientação de qualquer governo totalitário é e sempre será no sentido de se tolher as liberdades civis, e está amplamente institucionalizado que o civil não pode ter e portar armas. Qualquer autoridade civil literalmente CAGA NAS CALÇAS quando vê um cidadão armado, e por medo, dá ordem de prisão imediatamente, sem pensar, apenas com base NA IDEIA de que um cidadão não pode estar armado. Digo isto por minha experiência pessoal como presidente da Associação Brasileira de Atiradores Civis, especialmente na minha atuação na defesa de nossos associados.
Todos estes pontos enumerados acima dizem respeito à população em geral, para quem a autorização de compra de armas é restritíssima, e a autorização de porte de arma é em geral proibida, com a exceção do art. 10 do Estatuto do Desarmamento.

O PL do Jair Bolsonaro, por seu lado, não atinge a população em geral, mas a única categoria de cidadãos, civis que atualmente são excluídos da proibição ao porte de arma.

ENTENDAM O SEGUINTE: O porte de armas é proibido, EXCETO PARA CERTOS GRUPOS DE PESSOAS.

É esta a redação do caput do art. 6 da Lei 10.826/2003:

É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:”

e daí se seguem diversos incisos, cada um mencionando um grupo de pessoas, para quem o porte de arma NÃO É PROIBIDO.

O único grupo de cidadãos civis incluso entre estes, é o de desportistas de tiro, inciso IX. Estes, por sua vez, são controlados pelo Exército Brasileiro (art. 24) a quem compete autorizar e fiscalizar “o registro e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores.”.

Mas vejam bem, de acordo com o texto do inc. IX do art. 6, a REGULAMENTAÇÃO do porte de armas (este é o caput do art. 6), cabe ao Decreto 5.123/04, e NÃO AO EXÉRCITO BRASILEIRO.

Funciona assim: O Exército Brasileiro controla QUEM É CAC (colecionador, atirador e caçador), e controla a emissão das Guias de Trânsito. Agora o PORTE DE ARMAS dos CACs, quem controla é o Decreto 5.123/03, que tem, neste caso, a seguinte estrutura:

  • Art 30 → para o atirador portar sua arma, é necessário Guia de Trânsito;
  • Art 31 → atletas em atividades INTERNACIONAIS, devem portar suas armas DESMUNICIADAS (com certeza, os atletas internacionais devem ter alguma habilidade a menos que os atletas em competições regionais ou nacionais...);
  • Art 32 → Colecionadores e caçadores devem portar suas armas DESMUNICIADAS.

Simples assim. Temos a lei, temos a regulamentação, pronto.

Certo? Não. Segundo o Dep. Jair Bolsonaro, tá muito fácil.

Ele, que seria o único candidato de Direita em nosso país, e o único que em tese poderia defender nossos direitos e liberdades civis, acha que é muito fácil ser “simplesmente CAC” para ter todos os direitos que temos. Ele não tem CR, não sabe o que é ter que fazer 3 ou 4 psicotécnicos por ano, ter que fazer capacitação a cada vez que se precisa de qualquer documento, sem dizer que somos reféns de Clubes e algumas “confederações” que só existem no papel, mas que sem elas, não conseguimos obter nem sequer uma Guia de Tráfego... Ele não sabe que nós gastamos, em média, R$ 1.000,00 POR ANO em documentação, isto para quem não tem um acervo muito grande...

O PL “regulamenta” o porte de armas para atiradores, mediante as seguintes condições adicionais:

  1. Comprovação de efetiva participação em atividades desportivas de tiro (isto já é exigido, por portaria do Exército Brasileiro);
  2. Ter no mínimo 3 anos de CR (atualmente, basta ter o CR);
  3. Taxa ao EB no valor de R$ 250,00 para concessão e renovação (hoje não existe previsão de taxa).

Segundo o voto do último relator, pela aprovação:

Veja-se que a redação em vigor contempla todos os atiradores esportivos como pessoas autorizadas a portar armas. As únicas exigências são que eles sejam integrantes de entidade de deporto legalmente constituída, cujas atividades demandem o uso de arma de fogo. A proposição que agora se apresenta, por sua vez, além das condições mencionadas, traz outras duas: a necessidade de o atirador participar, habitualmente, das competições oficiais promovidas pelos órgãos de administração do desporto e um prazo de carência de três anos. Assim, somente os atiradores registrados no mínimo há três anos no Exército e que regularmente participem de competições oficiais poderão solicitar o porte de arma de fogo. Com isso, o Autor do projeto visa evitar eventual oportunismo, uma vez que pessoas comuns, não esportistas, poderiam, de uma hora para outra, tornar-se atiradores somente para usufruir tal direito. O Projeto de Lei em discussão visa contemplar somente aquelas pessoas que, efetivamente, pratiquem o tiro como esporteiii.

Seria excelente, se os CACs já não tivessem que dar atestado criminal até da bisavó, se não tivessem que abrir as portas de suas casas para vistorias regulares do Exército Brasileiro, se não tivessem suas vidas e acervos monitorados POR QUALQUER POLICIAL QUE TENHA SENHA DO INFOSEG...

Então vejamos, temos a lei e o decreto nos garantindo o nosso direito ao Porte de Armas, ou seja, trata-se de uma situação regulamentada, onde as exigências são aquelas impostas a todos os CACs registrados no Exército Brasileiro, MAIS a Guia de Tráfego (artigo 30 do Dec. 5.123/04).

O presente PL tenta regular o que já está regulado, impondo uma condição que já existe (comprovação de atividade desportiva), e criando dois ônus adicionais aos atiradores.

O Sr. Relator, que tem uma visão mais ampla sobre o assunto, entende que a lei atual é MUITO PERMISSIVA, então é necessário se limitar um pouco nossos direitos, a fim de se evitar a infiltração de criminosos entre os CACs – pois assim os mesmos teriam acesso a armas e munições, inclusive as de calibre restrito e ou proibidos.

Este é um caso, único talvez, onde eu ficaria com o voto do primeiro relator, pelo indeferimento. Sim, o Dep. Dr. Carlos Alberto, do PMN, votou em 2011 pelo indeferimento do PL, pois segundo ele, estaria se abrindo a possibilidade de atiradores terem porte de arma. Se ele tivesse LIDO E COMPREENDIDO A LEI, chegaria à mesma conclusão do último relator, que entende que nós atualmente TEMOS ESTE DIREITO, já está em lei, já está regulamentado.

De qualquer forma, conta a nosso favor o fato de, até hoje, nenhum projeto do Dep. Jair Bolsonaro ter sido aprovado pelo Congresso Nacional.

Nós já temos inimigos bastante se esforçando diuturnamente para restringir nossos direitos e liberdades civis. Os poucos homens de bem que esperamos que nos defendam, vem, na verdade, com projeto absurdos que apenas aumentam a burocracia, e nos oneram ainda mais.

Em outro momento discutirei projetos que tenho entendido como vindo em EFETIVA DEFESA DE NOSSOS DIREITOS, e que estão sendo propostos pelo Dep. Ônix Lorenzoni.


ii Lenza, Pedro – Direito Constitucional Esquematizado, 9a Edição – São Paulo: Método, 2005, pág. 96

2 comentários:

Alfa Kaszas disse...

Dr Arnaldo concordo plenamente com sua opinião.
Tomara que dia 10 seja aprovado o relatorio do Dep Cajado para liberar o porte depois de 5 anos tendo a posse, parece menos burocratico e mais barato do que o que Bolsonaro Propoe.

Arnaldo Adasz disse...

Eu, como presidente da Associação Brasileira de Atiradores Civis, tenho sérias reservas quanto ao PL 3722. Trata-se de uma lei extremamente complexa e burocrática, e se melhora diversas coisas, como a questão do porte de arma para civis, por outro lado retira muitos direitos atuais, principalmente no caso dos CACs. Os CACs seriam os principais prejudicados com o PL 3722, mas o Dep. Onix Lorenzoni propôs mês passado outros três PLs, que foram apensados ao PL 3722, e que resgatam os direitos dos CACs, ampliando-os. É uma tremenda luta, vamos em frente.