quarta-feira, 18 de novembro de 2009

In-direito

In-direito


Muitas vezes fico pensando sobre o Direito, sobre a sua viabilidade, sua possibilidade de ocorrência (no sentido de justiça), e na maioria das vezes as minhas reflexões tem me levado a acreditar que o Direito, em nosso país, ocorre ou por sorte ou por influência.

Quantas vezes o contato direto de um advogado com o julgador, em conversa amistosa e descompromissada, não tem o condão de levar o magistrado a um convencimento? Isso é ilegal? Óbvio que não. Advogados tem a prerrogativa de ir à presença do magistrado, e presume-se que isto se faça em prol do cliente que o mesmo patrocina. E o advogado com isto está trabalhando, colaborando no sentido de promover perante o órgão julgador o convencimento favorável a seu cliente.

Da mesma forma ocorre com a sustentação oral, o advogado ocupa a tribuna com a função de convencer um grupo de julgadores, mesmo que inicialmente contrários à sua tese, de forma a conseguir um julgamento favorável em prol de seu cliente.

A questão, no entanto, é que estamos em um país com dimensão continental, o que significa que para o advogado estar na presença do magistrado, o cliente terá que dispender uma quantia razoável com passagens aéreas, hospedagem, refeições, e a justa remuneração do causídico, que obviamente não tem a obrigação de sair de sua cidade de trabalho de graça, sendo certo que existe na tabela da OAB inclusive uma remuneração prevista especificamente para a sustentação oral. A despesa vai para a casa de alguns milhares de reais, ou seja, aquela conversa cordial do advogado com o magistrado, ou o ato de erigir uma sustentação oral perante um tribunal muitas vezes só é possível para o cliente que tem dinheiro suficiente.

Por este motivo, na imensa maioria das vezes o único contato que o magistrado tem com o advogado ou com as partes é através das petições e documentos nos autos, o que torna a análise dos casos algo maquinal, impessoal. Mas seria este o motivo pelo qual obtém-se tantas sentenças contrárias à lei, à justiça e ao direito? É-nos ensinado nas salas de aula que para o julgamento, considera-se os fatos e o direito, ou seja, as provas nos autos e a lei. Como é que proliferam, até mesmo nas altas cortes, decisões contrárias à lei?

Isto eu não sei responder. Mas é frustrante.

Recentemente tive um agravo regimental perante o Superior Tribunal de Justiça, Ag 1084508-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, onde se decidiu em última instância que o fato de determinada matéria ter sido discutida entre as partes de um processo, afasta a possibilidade de terceiro rediscutir, ou seja, com esta decisão o STJ revogou o disposto no art. 472 do Código de Processo Civil no tocante a Embargos de Terceiro. Sim, senhor causídico, se você precisar sustentar esta tese, é isto exatamente que foi decidido.

Acho incrível que se eu respondesse exatamente isso em uma prova na faculdade de Direito, ou no Exame da Ordem, seria desclassificado. Mas alguém que galgou uma posição em uma das mais elevadas cortes de nossa nação, atribui a sentença judicial ordinária efeito erga omnes... Valha-me Pontes de Miranda. Foi necessária uma alteração na CF/88 para que pudesse existir uma súmula vinculante no STF, e agora um ministro do STJ atribui efeito perante terceiros a uma decisão do TJ-SP. Quando li a decisão, não tive o impulso de dar risadas, tanto por ter sido ferido por esta decisão, quanto pelo fato de que o repositório do STJ é algo sério, seríssimo. Que bom seria se o Sr. Ministro tivesse, por este repositório, o mesmo respeito que tenho, e que me levou a optar por me tornar um bacharel em direito, e agora que fui aprovado no Exame da Ordem, quem sabe, seguir alguma carreira jurídica.

Que feio, isso vai ficar lá, no repositório do Tribunal da Cidadania, um erro crasso e grosseiro, espezinhando o Código de Processo Civil. E o pior, gerando precedente jurisprudencial para todo o país.

Que isso ocorra em primeira ou segunda instância, é tolerável, até mesmo porque neste caso cabe Recurso Especial, o que abre a oportunidade para correção e uniformização da interpretação das leis infraconstitucionais. Agora, quando isto ocorre no Tribunal da Cidadania, a corte constitucionalmente destinada à proteção e interpretação de nossas leis, trata-se então de uma tragédia. Tragédia que tentou se corrigir através do manejo de dois agravos regimentais consecutivos, pelo que se conseguiu apenas a imposição de uma multa.

Fui recém aprovado no Exame da Ordem dos Advogados, mas como na data de hoje, 18 de Novembro de 2009, ainda não me inscrevi, sou ainda um cidadão comum, o que me dá o direito de escrever e publicar opiniões a respeito de processos correntes dos quais sou parte.

Não tenho como pagar a multa imposta, não tenho como arcar com despesas de deslocamento de um advogado até Brasília, não tenho como legalmente fazer nada contra esta arbitrariedade absurda.

O que posso fazer, como cidadão e consumidor deste péssimo serviço prestado pelo Poder Judiciário, é manifestar aqui, no meu próprio blog, minha insatisfação.

Fi-lo.

Arnaldo Adasz

sábado, 31 de outubro de 2009

O que é a riqueza?

Quem terá sido mais rico, Adão ou Salomão?

Consta na Bíblia que a Adão foi dado o domínio sobre todo o planeta, sobre todos os seres vivos, então ele tinha disponível todas as riquezas tais como ouro, prata, bronze, ferro, todo o petróleo, resumindo, tudo o que se encontrava no globo terrestre. Só que estava tudo inexplorado, as riquezas estavam ocultas sob a superfície, ou não beneficiadas.

Salomão, por sua vez, tinha que compartilhar o planeta com uma grande população, e de fato, mesmo o seu reino já era bastante povoado. Assim, ele não dispunha de exclusividade sobre todas as coisas do planeta. Mas ele tinha muito ouro, prata, bronze, madeira excelente, marfim, cavalos, e utilizava isto diariamente na construção de palácios, templos, carros, armas, e toda espécie de coisa desejável da sua época. A Bíblia menciona que jamais houve antes ou depois de Salomão alguém tão rico quanto ele. Como explicar esta aparente incoerência? Simples: Somente o trabalho gera riqueza.

Vamos tomar como exemplo um homem que tenha um terreno de cinquenta mil reais, e mais cem mil reais em seu bolso. Pode se dizer que sua riqueza é de cento de cinquenta mil reais.

Ele não pode morar no terreno, e se usar o seu dinheiro disponível morando em um hotel, sua riqueza irá diminuir, apesar de seu dinheiro ter circulado, gerado serviços e empregos.

Agora, ao invés de gastar o seu dinheiro com hospedagem, o homem contrata engenheiro, arquiteto, pedreiros e serventes, compra todo o material de construção necessário, recolhe taxas e impostos, e tem uma casa construída sobre seu terreno. Todo o pessoal envolvido na construção recebeu salários e honorários, e por sua vez consumiram alimentos, roupas, ferramentas, bens de consumo, pagaram todos os impostos diretos e indiretos, e a economia girou. Os fornecedores de materiais de construção tiveram lucro, pagaram fornecedores e funcionários, recolheram todos os impostos diretos e indiretos, e a economia girou.

Mas para o homem de nosso exemplo, aconteceu algo curioso: A casa que ele construiu vale duzentos e cinquenta mil, ou seja, sua riqueza aumentou em 100 mil reais.

É assim que se cria e se distribui riquezas, a partir do trabalho.

Se o dono do terreno tivesse vendido o terreno, juntado o dinheiro com o que já tinha, e doado tudo aos pobres, estes, por não saberem lidar com dinheiro, iriam gastar todo o dinheiro com o seu sustento e talvez até com algum prazer efêmero e momentâneo, mas logo estariam sem dinheiro. Tanto o homem como os pobres estariam sem dinheiro, ou seja, apenas teríamos um pobre a mais.

É certo que Deus nos fez dependentes de água, ar e alimentos, todos nós precisamos continuamente de nossas cotas deste itens, senão morremos. Mas o homem deu dinheiro aos pobres, e assim que este dinheiro terminou, cessou o acesso aos itens necessários à sobrevivência, tanto para o homem, quanto para o pobre.

Já quando o homem deu trabalho, houve continuidade, ou seja, mesmo que a construção desta casa termine, o trabalhador pode começar a construir outra casa, e daí o seu sustento se perpetua. Quem dá alimento sacia a fome por um período de tempo, e tem que arcar com este custo. Quem dá trabalho torna este sustento perene, e gera riquezas.

Uma grande parcela da população não compreende esta verdade simples. Alguns, por revolta e por preguiça, resolvem assaltar os outros. Aquele que foi assaltado sai para trabalhar um dia após outro, buscando o sustento seu e de sua família; trabalha durante alguns anos e consegue comprar um carro. Já o vagabundo que não se submete ao trabalho, com o uso de uma arma leva, em segundos, o fruto de trabalho de anos do cidadão honesto e trabalhador. Outros ladrões, muito mais sofisticados, já retiraram, com o uso de força militar, força política, ou até mesmo pela edição de leis, o fruto do trabalho de populações inteiras, mas no fundo o princípio é o mesmo, é muito mais fácil roubar do que construir.

Em nosso país, para desgosto de alguns, o direito à propriedade ainda é protegido constitucionalmente, e esta proteção é relativamente respeitada.

Não devemos nos esquecer que aqueles que levantaram a maravilhosa bandeira da liberdade, igualdade e fraternidade, foram os mesmos que queimaram livros e bíblias em praça pública, enquanto guilhotinaram todos seus opositores. O autoritarismo que combatiam, apenas mudou de mãos, os pobres continuaram sendo pobres. Isto se deve ao fato de que não se constrói riquezas com ideias, mas somente com trabalho. Este o motivo pelo qual não acredito em ideologias, somente acredito em projetos que privilegiem a atividade produtiva. Ayrton Senna disse uma vez: “Não tenho ídolos. Tenho admiração por trabalho, dedicação e competência”.

Bom, o homem do exemplo acima construiu sua casa para morar. Outros constroem para vender, ou seja, para que outros morem. Neste último caso, a perpetuação da riqueza se estende, mas nasce a necessidade de que exista um consumidor.

O maior gênio industrial do século passado, Henri Ford, tinha uma visão muito clara a este respeito. Lee Iacoca, em sua autobiografia, explica que muitos dizem que a maior invenção de Ford foi a produção em série, mas que na verdade, sua maior invenção foi a classe média. Numa época em qua os automóveis eram construídos artesanalmente para a elite, como jóias, Ford fez em série um carro de qualidade inferior, o modelo “T”, e para isto contratou funcionários e pagou um salário para eles, de forma que este puderam adquirir os carros que eram fabricados por eles próprios. Na mesma fábrica existia o produto e o público consumidor. Ele entendia que o salário mantido em determinado nível induzia à demanda de seu próprio produto.

Na economia moderna, um recurso largamente utilizado para se combater a inflação é o encolhimento do salário real da população, o que força uma diminuição da demanda. Com isto a inflação diminui, mas junto se diminui toda a produção industrial, o que exclui uma camada da população, agora desempregada, do mercado de consumo. Ao mesmo tempo o governo se endivida para suprir a queda na arrecadação de impostos, tomando empréstimos na forma de títulos da dívida pública. A única forma de comercializar estes títulos é remunerar melhor do que o mercado, o que empurra os juros para cima. Se a remuneração diminui, ocorre fuga de capital. É certo que o fluxo de capital também envolve confiabilidade, e o Brasil esteve, por décadas, longe de ser um devedor confiável.

Com o salário real mantido em patamares mínimos, e com os juros altos, o comércio fica freado, a indústria faz seus planejamentos para um panorama sem expectativa de crescimento, e desvia o excedente de capital para o mercado financeiro ao invés de investir nas plantas industriais. Aqueles que acumularam capital, por outro lado, tiveram o governo como seu cliente fiel durante muitos anos, e não sabem emprestar nem para para a indústria nem para o consumidor, e quando o fazem, exigem juros dez vezes maiores do que o praticado em qualquer outro país. O dinheiro acaba ficando preso dentro de um jogo de apostas em ações, nas bolsas de valores, em atividade totalmente especulativa e sem quaisquer perspectivas de produção de riquezas (trabalho).


Os nossos economistas estão conseguindo destruir o capitalismo, pois tudo o que se faz é para se proteger o dinheiro (moeda), garantindo liquidez e lucratividade mesmo na ausência e trabalho e produção, ou seja, remunera-se a especulação pura e simples, motivo básico e fundamental da crise internacional de 2009.

As pessoas se esquecem que a moeda tem um valor fictício que lhe atribuímos voluntariamente. Saímos do escambo para uma economia de papel, passamos para o dinheiro virtual, o que possibilitou que títulos nas bolsas de valores tivessem valores astronômicos e absolutamente irreais, insustentáveis na prática.

Dizer que as ações da empresa ABC vale um dólar ou cinquenta dólares dá na mesma, até o momento em que realmente se descobre que aquele valor, meramente especulativo, jamais poderia ter equivalência nos bens da empresa, ou em seu volume de negócios. E quando os castelos de cartas que são as bolsas de valores caem por ação de algum megainvestidor, os pequenos investidores todos perdem fortunas teóricas que só existiam em suas mentes e corações (apesar de a maioria ter efetivamente pago, em dinheiro, por aqueles valores), enquanto os bancos de investimento que não emprestaram dinheiro para atividade produtiva real tem que ficar dando explicações complicadas em economês para seus clientes.

Ah, esqueci. A desculpa da crise foi a especulação imobiliária nos EUA. Um especulador comprava diversas casas a juros baixíssimos, sem comprovação de renda, para revender num momento de boom imobiliário que jamais aconteceu. Os especuladores não tiveram como pagar os financiamentos, os bancos não conseguiram executar as garantias, e disso veio uma crise mundial. Ora, deixasse que os bancos quebrassem.

Viram só o que conseguiram fazer? Conseguiram corromper de tal forma o trabalho, que o mesmo se tornou objeto de especulação financeira. Quem abre uma indústria, para crescer oferece ações na bolsa. E a partir de então, o valor da empresa passa a ser medido não pelo desempenho real da empresa (destarte Sarbanes Oxley), mas sim pela mera atividade especulativa nas bolsas de valores.

Ainda hoje, não é possível existir riqueza sem trabalho. Muitos têm dinheiro, mas não produzem nenhuma riqueza, mas dinheiro não se come. E todo aquele que ganha dinheiro sem produzir, está na realidade se utilizando do trabalho de outrem, da mesma forma que um ladrão o faz.

Prá que pensar...

PARE DE PENSAR


Pensar cansa, dá dor de cabeça, embaralha os neurônios, consome mais energia do que uma corrida, e enquanto você pensa, se desprende do mundo real à sua volta.

Prá que pensar? Pura besteira.

Você já tem o pessoal do governo, que faz as leis, coloca regulamentos, placas, sinalização, tudo para você não precisar pensar.

A própria sociedade, que já está aí há milhares de anos, já estabeleceu tudo o que você precisa para saber viver: Alguém tem ensinou a comer, beber, trabalhar, limpar a bunda, tudo. Você não precisa pensar, quando nasceu você já chegou em uma sociedade organizada com tudo pronto.

O que você vai fazer hoje?

Com certeza, você não precisa pensar a este respeito. Basta colocar o despertador, você vai acordar na hora certa, escovar os dentes, tomar o desjejum, pegar o trem lotado, e ir para o trabalho. Chegando lá, você também não precisa pensar. Alguém vai te ensinar o trabalho que você deve realizar por todos os momentos, dias, semanas, meses, anos seguidos.

Enquanto você tiver trabalhando, não pense. Isto iria desconcentrá-lo, o que pode representar um grande risco. Você pode por acidente perder um dedo, e ser condenado à presidência de alguma república ao sul do equador. Que tragédia então, ser um não-pensante reconhecido internacionalmente...

E o seu salário? Nem pense nisto. Você teria que explicar para o seu filho que o dinheiro não chegou ao final do mês, porque você é o vice-treco do sub-troço do ajudante do auxiliar. Se você pensar em dinheiro, vai acabar atravessando a rua e pegando um empréstimo, remediar seu problema imediato ao custo do comprometimento de parte do seu miserável salário por um grande período de tempo, ou seja, se até agora estava difícil lidar com a porcaria que você recebia, agora você vai ter que começar a viver com menos do que antes, com a diferença de que parte do seu miserável salário a partir de agora vai para alguém que pensa, e sabe lidar com dinheiro.

Apenas trabalhe, até que finalmente você realizará seu sonho: Se aposentar. Ufa! Receber sem trabalhar, isso é que é vida! Não pense em quanto você vai receber, porque isso já está pronto no pacote. E não faz muita diferença saber se o que você vai receber será suficiente, porque, afinal de contas, o que importa é a segurança de saber que o dinheiro estará lá, todos os meses, contadinho e certo. Depois disso você vai morrer, mas você não precisa pensar nisso, porque COM CERTEZA você vai morrer.

Bateu uma vontade imensa de pensar?

Bom, eu sei que isso não aconteceu no trabalho, porque todas as vezes que houve qualquer milionésimo de segundo disponível, alguém conseguiu arranjar mais um serviço para você fazer (o daquele seu ex-colega de trabalho, despedido porque vivia no mundo da lua).

No intervalo do café ou do almoço não aconteceu este acidente, porque ninguém pensa no intervalo. Na interação com outros não pensantes existe tanta fofoca, tanta merda a se falar, que o tempo é curto, só dá para engolir aquele mega-super-prato, preparado pela nutricionista da empresa, para que você tenha o melhor desempenho possível em sua atividade de não-pensar.

Ah, você é livre docente em física teórica, e este texto de não pensamento está sendo altamente ofensivo às décadas que você passou com a bunda enterrada nas cadeiras da escola? Não se iluda. Você é apenas um não pensante altamente especializado, tunelizado. Quer uma prova? Olhe seu holerith.

O verdadeiro pensante não é aquele que se limitou ao estudo do Direito, da Engenharia, da Matemática. O pensante vê a sociedade humana em sua essência, com o QI da massa sendo sempre inferior ao QI da maioria de seus indivíduos. Vê a sociedade como um formigueiro, cujas necessidades essenciais precisam ser atendidas, com certo nível de bem estar social, mas principalmente, com os indivíduos jamais sonhando além de um pequeno e limitado nível.

É o princípio do Panis et Circenses. Isso foi inventado por Decimus Junius Juvenalis, no Sec. II, para explicar, de forma cínica, o porque de se atirar cristãos aos leões.

O povo vai sempre continuar sendo povo, tanto faz se está morando em uma favela, em meio a esgoto a céu aberto e compartilhando espaço e alimentos com os ratos, ou se está morando em casas de alvenaria, pelas quais terão que pagar durante todos os seus anos de trabalho.

Mas se os não-pensantes, repentinamente tomassem consciência de seu ridículo papel de gado, por serem em grande número, facilmente eliminariam os pensantes.

A beleza é que é possível usar isso a favor dos pensantes, e de fato, já se fez isso mais de uma vez. Num momento alguém fez uma revolução burguesa, noutra uma revolução comunista. Um grupo de pensantes queria tomar o poder, mostrou para o povo sua situação miserável, usou o povo como massa de manobra, tomou o poder, e manteve o povo exatamente onde ele estava antes.

Os comunistas erraram ao imaginar um sistema onde simplesmente o capital fosse distribuído, porque a maioria das pessoas não consegue incrementar o capital, então a máxima distribuição de renda significa uma efetiva diminuição da massa de capital, porque apenas algumas pessoas sabem e efetivamente conseguem multiplicar o capital, mas estas, quando o fazem, podem fazê-lo de forma a gerar renda para os outros que não conseguem.

Mas, no final das contas, é o Panis et circensis e não a distribuição de renda a explicação para a revolução burguesa ter funcionado. O povo precisa ser controlado, e qualquer que conheça economia, sabe as limitações óbvias à distribuição de renda.

Panis, literalmente “pão”, era atirado aos cidadãos romanos no coliseu. Se o povo tem a quantia de alimento a que está acostumado, e principalmente, se tem a noção de que a estabilidade garante o seu sustento, então fica quietinho. Ao menos alguns.

Circenses, se refere à diversão. Atualmente não é prático se atirar cristãos para os leões, mas existe toda uma estrutura, que abrange a permissão do uso de drogas que são chamadas lícitas, o franqueamento à diversão das massas de forma ou gratuita ou muito acessível, chegando até à tolerância velada ao uso de algumas drogas ilícitas.

O futebol, onde toda semana os grandes times estão nas importantes finais de qualquer campeonato regional, estadual, nacional, internacional, cumpre um importante papel na diversão das massas. Basta haver um sinal de instabilidade econômica ou política, alguma grande crise institucional, e lá vai algum dos times mais populares para um jogo fundamental para o campeonato. Até as grandes tragédias cumprem papel importante, e se no momento exato faltar alguma tragédia natural, muito convenientemente alguns pilotos de camelo saem do meio do deserto e derrubam, num show de técnica e de engenharia, dois gigantescos edifícios no centro de New York (habemus leonis). Quem está olhando para os escombros e cadáveres pela televisão, por alguns poucos dias deixa de enxergar seus problemas pessoais, reais e imediatos.

Ah, temos a política! Política é uma coisa incrível, existe a política de quartel, e a de palco.

No quartel acontece o encontro e confronto de interesses, que sempre resultam em acordos, chamados democráticos. Quando todas as partes garantiram sua parte no bolo, anula-se qualquer possibilidade de questionamento.

No palco é onde acontece a parte que o povo enxerga. Às vezes alguma coisa escapa do quartel e chega no palco, mas tudo é apenas um grande show, e na imensa maioria das vezes consegue-se dar uma tremenda impressão de que tudo está se resolvendo de acordo com a lei e a ordem, de acordo com a ética e a moral. Quando não é possível se utilizar nenhum destes elevados padrões, dá-se uma canetada, a coisa desaparece da imprensa, e a partir de então, qualquer que seja a forma, a coisa toda adquire legitimidade inquestionável para todo o sempre, amém.

Tudo bem que é raro alguém mostrar no palco o esterco que se cultiva no quartel, mas acontece. Quando isto acontece, indefectivelmente o traidor é lançado para os leões (aqui, a maioria das pessoas é cristã, mesmo). Para se evitar que isso aconteça, a distribuição de renda dentro do quartel beira à perfeição, e a máquina bem lubrificada funciona muito bem.

Em um país sério (segundo Charles de Gaulle) tudo isso seria um problema, mas aqui a coisa se resolve facilmente, simplesmente permitindo-se o acesso dos revoltosos ao poder. Guerrilheiro e assaltante de banco um dia, ministro noutro. E assim a coisa vai. Deixo aqui de fazer qualquer consideração a respeito de traficantes de drogas e chefes de facções criminosas, porque estes também em breve podem ser governo, e se Aldous Huxley estiver certo, todos estaremos usando a droga perfeita, legalmente. Pelo menos esta é a sequência mais lógica para a coisa.

Ninguém viu que, em menos de uma geração, todas as esposas saíram de casa e foram trabalhar fora, que as crianças não estão sendo mais educadas pelos pais, e que apesar de agora termos duas pessoas e não apenas uma trabalhando pelo sustento da casa, o dinheiro ainda não é suficiente para as necessidades de antes.

Por tudo isso não precisamos pensar, basta comemorar o fato de que seremos a sede da Copa do Mundo de 2014, o Rio de Janeiro sediará as Olimpíadas de 2016 (assim que acabar, lá mesmo, a filmagem de Black Hawk Down II).

Dedico este pequeno texto a todos meus irmãos e patrícios não—pensantes.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nas águas de meus sonhos

Sonhei com um rio. Senti que o rio era minha própria vida.

O meu percurso é rio acima, em direção à nascente. Eu quero estar lá, de onde brota a vida, mas estou fraco e cansado. Nado, mas não consigo vencer a corrente.

Já houve dias em que eu tinha os meios para subir a corrente me divertindo, praticamente sem esforço algum. Era um dia como hoje, e ter estes recursos era tão natural e explicável como hoje é não tê-los. Tudo é igual, exceto que estou sem estes recursos.

Observo quem nunca teve os mesmos recursos que me restaram, e vejo que para eles a subida não parece tão difícil, pois desde o início sempre souberam que deveriam contar exclusivamente consigo mesmos, então seus corpos ficaram mais brutalizados, endurecidos, e resistentes ao grande esforço necessário. Quem sempre soube depender quase que exclusivamente dos braços e das pernas os têm mais fortes. A subida destes é lenta, e muitas vezes passam anos no mesmo lugar. Quando são arrastados por um turbilhão mais forte, lutam empedernidos, e se contentam em chegar novamente ao lugar onde estavam acostumados. Então, junto com a maior força física, existe neles um conformismo com a situação, que para mim é impensável.

Quando a tempestade levou os meios que eu detinha para subir o rio, a depressão ainda tirou a pouca força que restava em meus braços, e rapidamente fiquei à deriva.

Afundei.

E continuei afundando, sem saber se estava nadando para baixo ou para a superfície, confuso. Na falta de encontrar a superfície, queria encontrar o fundo, que também me faltava. Passei a enfrentar a realidade da morte próxima, e quando não suportava mais o esforço, passei a desejar a própria morte como meu descanso merecido e almejado.

Mas a morte não veio. Veio a superfície, a dor, a inércia. Não sabia o que fazer, e nem sequer tentei fazer o que sabia que deveria. Eu via a margem passando enquanto a corrente me levava, mas a margem me era estranha.

De qualquer forma, saber que tinha voltado tanto no percurso foi muito frustrante. Em alguns momentos senti alguma força, e imaginei que teria a meu favor o fato de já haver passado por aquela parte do rio. Mas tudo me era estranho, talvez porque quando estive nesta parte do rio, muito tempo atrás, eu enxergava o rio com outros olhos, ou quem sabe seria o tempo que havia mudado tanto o rio, as margens, ou eu próprio.

Seguir o mesmo caminho, mas de forma diferente, me colocou cada vez mais em lugares estranhos e inesperados, e isto me incomodava, porque eu buscava alguma referência conhecida, algo com que eu já soubesse lidar.

Eu tentava subir o rio da forma como achava que sabia, mas todas as vezes acabava chegando no mesmo ponto, pois por vezes eu subia o rio para apenas descer novamente, ou às vezes até um pouco mais.

Até que eu compreendi que seguindo o caminho dantes percorrido da forma como eu havia feito antes, não me levaria aonde eu pretendia chegar, mas apenas e tão somente onde eu estava naquele momento.

Foi quando comecei a ver que outras pessoas estavam estabelecidas na margem do rio, e que estavam no mesmo ponto do rio que eu já havia atingido, sem no entanto estarem de qualquer forma tão preparadas como eu estava. Eu já havia subido e descido várias vezes, passando por aquela parte do rio sem prestar muita atenção. Aquelas pessoas, no entanto, estavam lá e se sentiam em casa, não queriam mais ou menos do que haviam conquistado, e me olhavam como o estranho que para elas eu era. Mais ainda, quando elas me viam frustrado por estar ali, se sentiam feridas em seu orgulho, pois estar lá para elas era uma vitória. Quando viam que eu me sentia derrotado por estar ali, sentiam-se ofendidas. De qualquer forma, tive que sair para a margem, me estabelecer ainda que temporariamente, até conseguir novas forças, e mais recursos para continuar minha subida.

Estando na margem eu evito olhar para o rio, evito até pensar que o rio está lá. Eu tento evitar a dolorida consciência de que alguns estão lá no rio, alguns subindo, outros lutando para ao menos permanecer no mesmo ponto. Mais ainda, tento evitar pensar noutros que, tendo subido comigo, já se encontram muito mais perto da nascente.

De fato, daqueles com quem estive lá em cima, alguns subiram além daquele ponto, poucos permaneceram, a maioria desceu, alguns ainda estão descendo.

Ainda estou aqui, na margem. Estou construindo as novas ferramentas através das quais vencerei o rio, mas agora quando as faço, tenho uma visão diferente das necessidades e dificuldades, e também das minhas fragilidades. Minhas novas ferramentas são melhores, mais seguras, mais eficientes. Ainda não estou realizando sonhos, estou apenas trabalhando com um objetivo. Minha grande dificuldade ainda é desviar o foco das grandes frustrações e desilusões que consomem a minha alma, e colocar força cada vez maior na construção dos meios necessários para a empreitada.

Tento também, neste momento, não prestar atenção àqueles que estão ao lado, rindo e falando sem compreender minha dor. Fico cabisbaixo, mas aproveito para enrijecer meu corpo, porque agora já sei a dura empreitada que tenho pela frente.

Tenho também plena consciência de que quando meu corpo e meu espírito estiverem sarados, (clamo a Deus para que isto ocorra rapidamente), e quando tiver todas as ferramentas que necessito, não vai adiantar procurar o velho rio. Aquele velho rio, de águas passadas, já não serve senão para que eu me lembre de todas as experiências que nele vivi.

Vou me atirar para o rio de águas frescas, com a ousadia de quem busca o novo, sempre atento para buscar a MINHA fonte. Eu sei que tenho que buscar realizar os meus próprios sonhos, porque pior do que ter que começar tudo de novo, seria chegar ao final e descobrir que percorri todo o caminho para realizar um sonho que não me pertence.