segunda-feira, 13 de junho de 2011

Justiça de Quatro Instâncias. Ahn? Onde?

Existe grande alarde sobre uma PEC, ideia do Ministro Cezar Peluso, cuja proposta, em síntese, seria a executividade de sentenças de segundo grau, ainda que coubesse recurso às instâncias superiores.

Vejo outros falarem com eloquência sobre o fim do que chamam de excesso de recursos, como se isto fosse a solução para a morosidade da justiça brasileira.

É importante que todos saibam que nenhum advogado maneja um recurso às instâncias superiores, a menos que tenha existido um julgado com violação da lei ordinária (Recurso Especial, dirigido ao STJ), ou violação a um direito constitucional (Recurso Extraordinário, dirigido ao STF).

Ora, ao invés de se tentar diminuir o número de recursos que se tentam manejar para as instâncias superiores, deveria sim se cobrar das instâncias ordinárias o cumprimento às leis e à Constituição Federal. Bastaria isto, e as duas cortes do planalto ficariam a ver navios passar.

Mas na prática não existem quatro instâncias. Todo o peso do trabalho recai exclusivamente sobre os juízes de primeira instância.

Os tribunais de justiça dos principais estados brasileiros estão supersaturados de serviço, e tomam por regra denegar todos os recursos. Denegar é fácil, você não precisa ler, analisar as provas, os fatos, depoimentos, documentos, nada. Basta ler a decisão atacada, e se não tiver nenhum erro formal, dá-lhe denegação ao recurso. Pouco importa o trabalho de quem apelou.

No momento seguinte, o advogado inconformado maneja recursos aos tribunais superiores. De cara, a subida destes recursos é denegada pela presidência do tribunal, denegação em massa. De forma alguma um ser humano conseguiria ler todos os recursos que diariamente são denegados. Denega-se tudo, e seria até muito interessante se estudar quais são os recursos que não tem sua subida denegada. Este seria o estudo mais fácil da história, pois quase nada sobe.

Ah, mas neste caso a lei permite que se maneje Agravo de Instrumento da Decisão Denegatória de subida do recurso, o AIDD.

Aí a coisa fica mais interessante ainda: Um majestoso e muito bem arquitetado grupo de ESTAGIÁRIOS irá filtrar os AIDD's que serão denegados. Ainda é uma honra que os recursos manejados por professores, doutores e especialistas sejam analisados por estagiários, pois da forma como são novamente denegados em massa, bastaria um mero programa de computador onde você clicasse e saísse a decisão denegatória.

Mas e se você sabe que a decisão denegatória está totalmente equivocada? Fácil – dá-lhe Agravo Regimental → que será denegado, na maioria das vezes, com base na súmula 07 do STJ (o STF tem ferramentas melhores, inclusive repercussão geral). E se o coitado insistir, dá-lhe multa processual. Afinal, parte que insiste em ver seu direito apreciado deve tomar multa ou se mudar para um país onde a justiça funcione.

A súmula 07 do STJ, que visava inicialmente evitar que se manejassem RESPs (Recursos Especiais) EXCLUSIVAMENTE com base em reanálise de provas, ou seja, sem violação explícita ou implícita de lei federal, hoje é o band-aid da denegação de AIDDs. Não sabe porque denegar? Dá-lhe Sum. 07, e pronto. Mesmo em recursos em que nem sequer é mencionado nenhuma prova, tenho documentadas decisões que foram fundadas em violação da Súmula 07 do STJ, ou seja, está se denegando simplesmente porque a Corte da Cidadania já entrou em colapso, e não tem mais condições de trabalhar. Nada de haver com o recurso em si.

Do lado dos tribunais, a coisa vai ficando cada vez mais fácil: Basta dar uma decisão totalmente fundamentada na análise das provas, mesmo que seja totalmente contrária às mesmas, e não cabe mais nenhum recurso. Acabou, ces't fini...

O cidadão comum precisa ter a sensação de que existe uma justiça ativa e eficaz, mas para isto basta a publicação na mídia de meia dúzia de decisões por mês, de preferência bem polêmicas, e todos acham que as cortes superiores estão resolvendo todos os problemas da nação.

Na prática, no entanto, o que existe é um mecanismo nefasto de negação de justiça, com resultados divulgados de centenas de milhares de recursos julgados, quando na verdade todos os que operam o Direito sabem que tais recursos foram pura e simplesmente denegados, sem que a parte tivesse o direito de ver a sua questão apreciada por um Ministro de superior instância.

Resumindo, não é necessário se fazer nada para se acabar com o sistema jurisdicional de quatro instâncias, porque na prática tal só existe para poucos escolhidos, selecionados a dedo por critérios não escritos.