sábado, 31 de outubro de 2009

Prá que pensar...

PARE DE PENSAR


Pensar cansa, dá dor de cabeça, embaralha os neurônios, consome mais energia do que uma corrida, e enquanto você pensa, se desprende do mundo real à sua volta.

Prá que pensar? Pura besteira.

Você já tem o pessoal do governo, que faz as leis, coloca regulamentos, placas, sinalização, tudo para você não precisar pensar.

A própria sociedade, que já está aí há milhares de anos, já estabeleceu tudo o que você precisa para saber viver: Alguém tem ensinou a comer, beber, trabalhar, limpar a bunda, tudo. Você não precisa pensar, quando nasceu você já chegou em uma sociedade organizada com tudo pronto.

O que você vai fazer hoje?

Com certeza, você não precisa pensar a este respeito. Basta colocar o despertador, você vai acordar na hora certa, escovar os dentes, tomar o desjejum, pegar o trem lotado, e ir para o trabalho. Chegando lá, você também não precisa pensar. Alguém vai te ensinar o trabalho que você deve realizar por todos os momentos, dias, semanas, meses, anos seguidos.

Enquanto você tiver trabalhando, não pense. Isto iria desconcentrá-lo, o que pode representar um grande risco. Você pode por acidente perder um dedo, e ser condenado à presidência de alguma república ao sul do equador. Que tragédia então, ser um não-pensante reconhecido internacionalmente...

E o seu salário? Nem pense nisto. Você teria que explicar para o seu filho que o dinheiro não chegou ao final do mês, porque você é o vice-treco do sub-troço do ajudante do auxiliar. Se você pensar em dinheiro, vai acabar atravessando a rua e pegando um empréstimo, remediar seu problema imediato ao custo do comprometimento de parte do seu miserável salário por um grande período de tempo, ou seja, se até agora estava difícil lidar com a porcaria que você recebia, agora você vai ter que começar a viver com menos do que antes, com a diferença de que parte do seu miserável salário a partir de agora vai para alguém que pensa, e sabe lidar com dinheiro.

Apenas trabalhe, até que finalmente você realizará seu sonho: Se aposentar. Ufa! Receber sem trabalhar, isso é que é vida! Não pense em quanto você vai receber, porque isso já está pronto no pacote. E não faz muita diferença saber se o que você vai receber será suficiente, porque, afinal de contas, o que importa é a segurança de saber que o dinheiro estará lá, todos os meses, contadinho e certo. Depois disso você vai morrer, mas você não precisa pensar nisso, porque COM CERTEZA você vai morrer.

Bateu uma vontade imensa de pensar?

Bom, eu sei que isso não aconteceu no trabalho, porque todas as vezes que houve qualquer milionésimo de segundo disponível, alguém conseguiu arranjar mais um serviço para você fazer (o daquele seu ex-colega de trabalho, despedido porque vivia no mundo da lua).

No intervalo do café ou do almoço não aconteceu este acidente, porque ninguém pensa no intervalo. Na interação com outros não pensantes existe tanta fofoca, tanta merda a se falar, que o tempo é curto, só dá para engolir aquele mega-super-prato, preparado pela nutricionista da empresa, para que você tenha o melhor desempenho possível em sua atividade de não-pensar.

Ah, você é livre docente em física teórica, e este texto de não pensamento está sendo altamente ofensivo às décadas que você passou com a bunda enterrada nas cadeiras da escola? Não se iluda. Você é apenas um não pensante altamente especializado, tunelizado. Quer uma prova? Olhe seu holerith.

O verdadeiro pensante não é aquele que se limitou ao estudo do Direito, da Engenharia, da Matemática. O pensante vê a sociedade humana em sua essência, com o QI da massa sendo sempre inferior ao QI da maioria de seus indivíduos. Vê a sociedade como um formigueiro, cujas necessidades essenciais precisam ser atendidas, com certo nível de bem estar social, mas principalmente, com os indivíduos jamais sonhando além de um pequeno e limitado nível.

É o princípio do Panis et Circenses. Isso foi inventado por Decimus Junius Juvenalis, no Sec. II, para explicar, de forma cínica, o porque de se atirar cristãos aos leões.

O povo vai sempre continuar sendo povo, tanto faz se está morando em uma favela, em meio a esgoto a céu aberto e compartilhando espaço e alimentos com os ratos, ou se está morando em casas de alvenaria, pelas quais terão que pagar durante todos os seus anos de trabalho.

Mas se os não-pensantes, repentinamente tomassem consciência de seu ridículo papel de gado, por serem em grande número, facilmente eliminariam os pensantes.

A beleza é que é possível usar isso a favor dos pensantes, e de fato, já se fez isso mais de uma vez. Num momento alguém fez uma revolução burguesa, noutra uma revolução comunista. Um grupo de pensantes queria tomar o poder, mostrou para o povo sua situação miserável, usou o povo como massa de manobra, tomou o poder, e manteve o povo exatamente onde ele estava antes.

Os comunistas erraram ao imaginar um sistema onde simplesmente o capital fosse distribuído, porque a maioria das pessoas não consegue incrementar o capital, então a máxima distribuição de renda significa uma efetiva diminuição da massa de capital, porque apenas algumas pessoas sabem e efetivamente conseguem multiplicar o capital, mas estas, quando o fazem, podem fazê-lo de forma a gerar renda para os outros que não conseguem.

Mas, no final das contas, é o Panis et circensis e não a distribuição de renda a explicação para a revolução burguesa ter funcionado. O povo precisa ser controlado, e qualquer que conheça economia, sabe as limitações óbvias à distribuição de renda.

Panis, literalmente “pão”, era atirado aos cidadãos romanos no coliseu. Se o povo tem a quantia de alimento a que está acostumado, e principalmente, se tem a noção de que a estabilidade garante o seu sustento, então fica quietinho. Ao menos alguns.

Circenses, se refere à diversão. Atualmente não é prático se atirar cristãos para os leões, mas existe toda uma estrutura, que abrange a permissão do uso de drogas que são chamadas lícitas, o franqueamento à diversão das massas de forma ou gratuita ou muito acessível, chegando até à tolerância velada ao uso de algumas drogas ilícitas.

O futebol, onde toda semana os grandes times estão nas importantes finais de qualquer campeonato regional, estadual, nacional, internacional, cumpre um importante papel na diversão das massas. Basta haver um sinal de instabilidade econômica ou política, alguma grande crise institucional, e lá vai algum dos times mais populares para um jogo fundamental para o campeonato. Até as grandes tragédias cumprem papel importante, e se no momento exato faltar alguma tragédia natural, muito convenientemente alguns pilotos de camelo saem do meio do deserto e derrubam, num show de técnica e de engenharia, dois gigantescos edifícios no centro de New York (habemus leonis). Quem está olhando para os escombros e cadáveres pela televisão, por alguns poucos dias deixa de enxergar seus problemas pessoais, reais e imediatos.

Ah, temos a política! Política é uma coisa incrível, existe a política de quartel, e a de palco.

No quartel acontece o encontro e confronto de interesses, que sempre resultam em acordos, chamados democráticos. Quando todas as partes garantiram sua parte no bolo, anula-se qualquer possibilidade de questionamento.

No palco é onde acontece a parte que o povo enxerga. Às vezes alguma coisa escapa do quartel e chega no palco, mas tudo é apenas um grande show, e na imensa maioria das vezes consegue-se dar uma tremenda impressão de que tudo está se resolvendo de acordo com a lei e a ordem, de acordo com a ética e a moral. Quando não é possível se utilizar nenhum destes elevados padrões, dá-se uma canetada, a coisa desaparece da imprensa, e a partir de então, qualquer que seja a forma, a coisa toda adquire legitimidade inquestionável para todo o sempre, amém.

Tudo bem que é raro alguém mostrar no palco o esterco que se cultiva no quartel, mas acontece. Quando isto acontece, indefectivelmente o traidor é lançado para os leões (aqui, a maioria das pessoas é cristã, mesmo). Para se evitar que isso aconteça, a distribuição de renda dentro do quartel beira à perfeição, e a máquina bem lubrificada funciona muito bem.

Em um país sério (segundo Charles de Gaulle) tudo isso seria um problema, mas aqui a coisa se resolve facilmente, simplesmente permitindo-se o acesso dos revoltosos ao poder. Guerrilheiro e assaltante de banco um dia, ministro noutro. E assim a coisa vai. Deixo aqui de fazer qualquer consideração a respeito de traficantes de drogas e chefes de facções criminosas, porque estes também em breve podem ser governo, e se Aldous Huxley estiver certo, todos estaremos usando a droga perfeita, legalmente. Pelo menos esta é a sequência mais lógica para a coisa.

Ninguém viu que, em menos de uma geração, todas as esposas saíram de casa e foram trabalhar fora, que as crianças não estão sendo mais educadas pelos pais, e que apesar de agora termos duas pessoas e não apenas uma trabalhando pelo sustento da casa, o dinheiro ainda não é suficiente para as necessidades de antes.

Por tudo isso não precisamos pensar, basta comemorar o fato de que seremos a sede da Copa do Mundo de 2014, o Rio de Janeiro sediará as Olimpíadas de 2016 (assim que acabar, lá mesmo, a filmagem de Black Hawk Down II).

Dedico este pequeno texto a todos meus irmãos e patrícios não—pensantes.

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