segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O Iter Criminis do Porte Ilegal de Arma de Fogo


No Brasil temos dois crimes de Porte Ilegal de Armas de Fogo, a saber, os contidos nos artigos 14 e 16 da Lei 10.826/2003.

Sem nos ater aos núcleos do tipo, que variam pouco entre os dois artigos, vale ressaltar que o art. 14 trata basicamente de armas “de calibres permitidos”, enquanto o art. 16 trata de armas “de calibres restritos”.

Então, a primeira coisa é saber diferenciar o que são calibres restritos, e o que são calibres permitidos.

Até o advento da Lei 10.826/2003, esta classificação estava contida no Dec. 3.665, de 20 de Novembro de 2000, conhecido como “R-105”, previsto no Decreto n. 24.602, de 6 de julho de 1934. O próprio caput do “R-105” menciona que o mesmo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1934.

Acontece que o art. 23 da Lei 10.826/2003 NÃO RECEPCIONOU o Dec. 3.665, de 20 de Novembro de 2000, mas o revogou e jogou a “classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico” para evento futuro, ainda não realizado. Sim, o texto do art. 23 diz explicitamente que tais classificações “serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército”.

O fato de a lei determinar que as referidas classificações SERÃO disciplinadas, afasta inequivocamente a aplicação do Dec. 3.665/2000, e, até o momento, não existe a nova classificação. O que há, no momento em que redijo o presente artigo, é uma MINUTA do Comando Logístico do Exército Brasileiro, que, se aprovada pelo Ministério da Defesa, irá para as mãos da Presidência da República, onde nascerá novo decreto. Segundo o site da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, o novo R-105 ainda se encontra na fase de debates http://www.dfpc.eb.mil.br/index.php/ultimas-noticias/274-exercito-realiza-debate-sobre-o-novo-regulamento-de-fiscalizacao-de-produtos-controlados.

Então, em tudo o que o tipo penal diga respeito a DEFINIÇÃO de produtos controlados, neste momento não existe esta definição, e não é possível falar em crime envolvendo tais produtos – o que inclui armas de fogo e suas munições.

A lei estabelece condições para que o tipo penal se aperfeiçoe: o agente deve estar SEM AUTORIZAÇÃO, e, cumuladamente, violando LEI FEDERAL ou o REGULAMENTO DA LEI (Dec. 5.123/04).

SEM AUTORIZAÇÃO + (violando Lei ou o regulamento da lei)

Se a pessoa está sem autorização, mas não está descumprindo lei federal ou regulamento, não está cometendo crime – exemplo, Juiz de Direito, ou Oficial das Forças Armadas, cujo porte de armas é previsto em Lei Especial, e dispensa autorização.

Se a pessoa está com autorização, mas está descumprindo lei federal ou regulamento, não está cometendo crime – exemplo, Caçador ou Colecionador portando sua arma municiada e para pronto uso, mas com Guia de Tráfego (chamado, na lei e no regulamento, de Porte de Trânsito). O caçador ou colecionador, neste caso está com a autorização (Porte de Trânsito), mas está violando o art. 32 do Decreto 5.123/04, que determina que ele não pode estar com a arma municiada. É lógico que decreto não pode criar obrigação de fazer ou não fazer, e neste ponto a Presidência da República deu uma “canetada”, que até agora colou, especialmente para quem não se deteve em um estudo sistemático da Legislação Brasileira de Armas de Fogo.

Outro exemplo seria o caso de um cidadão que obteve uma Guia de Trânsito para conduzir sua arma de determinado local para outro, na guia está especificado que a arma deve ser conduzida desmuniciada e separada da munição, mas o agente conduz esta arma municiada. Ele tem a autorização, mas está violando o caput do art. 6o, pois se trata de pessoa a quem o porte de armas é proibido, no geral. Mas como não está simultaneamente sem autorização e violando a lei, não se completa o tipo, então não há crime.

Em tais casos, onde o tipo penal não se configura, no máximo o que pode ser analisado é se houve violação de algo que implique punição administrativa, e se autoridade policial tem competência para lidar com os fatos pertinentes àquela esfera administrativa.



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