No Brasil,
desde Dezembro de 2003, está em vigência a Lei 10.826/03, apelidada
de “Estatuto do Desarmamento”. Este “nome” se devia
principalmente ao texto do art. 35, que foi invalidado pelo Referendo
Popular de 2005, mas que, se estivesse vigente, marcaria a nação
pelo fim da produção e comercialização de armas no Brasil –
situação que atingiria toda a população civil, exceto os CACs
(Colecionadores, atiradores e caçadores registrados perante o
Exército Brasileiro).
O que se
pretende estudar neste momento, é especificamente os crimes de porte
ilegal de armas de fogo, consubstanciados nos artigos 14 e 16 da
referida lei.
Primeiramente,
é importante anotar que existe no caput do art. 6o
uma proibição genérica ao porte de armas, ou seja, desde dezembro
de 2013 o porte de armas é proibido em todo o Brasil, EXCETO para os
casos previstos em lei federal, e para as pessoas listadas nos
diversos incisos do artigo sexto.
Isto é
relevante, porque temos, então, pessoas a quem o porte de armas é
proibido (todos), e pessoas a quem o porte de armas NÃO É PROIBIDO
(aqueles com porte de armas previsto em lei federal, e os listados
nos incisos do art. 6o ). Isto irá se refletir
diretamente na análise dos crimes aqui estudados.
Os dois
artigos que tratam os crimes de Porte Ilegal de Arma de Fogo se
distinguem fundamentalmente pelo art. 14 tratar de armas de calibre
PERMITIDO, e o art. 16 tratar de armas de calibre RESTRITO. Esta
definição não consta da lei, mas sim do R-105, que é o decreto
3.665/2000.
O que é permitido ou restrito?
Então a
primeira questão necessária para se compreender se o fato material
se amolda a um dos dois tipos, é observar o OBJETO, e obter a partir
da leitura do Dec. 3.665/2000 se se trata ou não de PCE1,
e sendo, se é qualificado como restrito ou permitido.
Atentem ao
fato de poderem existir portarias, instruções normativas, etc.,
qualificando este ou aquele objeto como permitido ou restrito, mas a
lei é imperativa, onde no art. 23 se restringe a classificação ao
R-105 (ato do Poder Legislativo realizado por provocação do
Exército Brasileiro). Nada fora do R-105 pode classificar PCEs,
muito menos para fins penais.
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
O primeiro
objeto de nosso estudo, é o art. 14:
Portar,
deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter
sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso
permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena
– reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo
único. (julgado
inconstitucional pelo STF)
Os verbos
nos remetem a condutas, e por serem bastante simples, não vou me
alongar, bastando a comentar alguns deles. Para não me repetir, já
adianto que as definições se amoldam tanto no art. 14 quanto no 16,
onde no art. 14 os crimes dependem de os itens serem classificados
como PERMITIDOS, e no art. 16 os itens devem ser classificados como
proibidos ou restritos.
Portar
– é trazer consigo a arma, fora de seu domicílio, conforme
disposto no art. 5o e 12o. Não existe o tipo
penal “portar municiado”, ou “portar desmuniciado”, trata-se
de conduta de perigo abstrato, inclusive porque uma arma de fogo,
mesmo descarregada, pode se prestar a render uma vítima ou um
criminoso2,
ou seja, existe sim potencial ofensivo em uma arma desmuniciada.
Também não existe nenhuma diferença, em nosso ordenamento
jurídico, se a arma se encontra no coldre do autor dos fatos, em
mãos, ou desmontada no porta malas do seu veículo – o fato
material é a arma estar FORA DO DOMICÍLIO. Lembrando que o porte
apenas de munição incide no tipo, ou seja: Configura-se o crime com
a arma desmuniciada, municiada, ou apenas com a munição. Da mesma
forma, não existe autorização para portar arma desmuniciada – ou
a pessoa está autorizada para estar com a arma, ou não está3.
Deter,
manter sob sua guarda, ter em depósito – novamente, o
verbo nos remete ao conceito de “conservar em seu poder4”,
e aplica-se integralmente o que se diz a respeito de Portar. Se a
arma estiver no domicílio do autor dos fatos, o crime não é o do
art. 14, mas sim o do art. 12, mesmo que a arma seja ilegal, mas
desde que não se amolde ao tipo do art. 16.
Adquirir,
receber, fornecer – estes são verbos que,
na maioria das vezes, são de difícil aplicação. Se o policial
presenciar a aquisição de uma arma ilícita, é muito provável de
que se tratará de hipótese de flagrante preparado, caso contrário
já teria sido dada ordem de prisão a quem vendeu a arma – que era
ilegal. Se, no entanto, o flagrante configurar o crime de aquisição,
haverá o crime de fornecer arma de fogo (ou munição) para quem
forneceu o produto, cada um com um agente distinto. Estes crimes só
se configuram caso se demonstre que não se trata de atividade
comercial, mesmo que irregular, pois o comercial ilegal é tratado no
art. 17o .
Ceder
ou emprestar – comete este crime quem, apesar de ter a posse e
ou o porte legais, permite que terceiro não autorizado entre na
posse, ainda que precária, da arma ou munição. Difere-se da
situação de quem fornece, pois aqui não existe a onerosidade nem
permanência. Importante salientar que ceder ou emprestar arma a
criança ou adolescente é crime mais grave, previsto no art. 16o
Inc. V.
Remeter
– este é o crime mais comum, e comete-se este crime principalmente
violando-se o disposto no art. 165 do R-105. Vou dar um exemplo:
Qualquer cidadão maior de 18 anos de idade pode adquirir uma luneta
com aumento até 6X e objetiva até 36mm. Ótimo. As pessoas acham
que por este item não ter o mesmo controle de uma arma de fogo, que
não há controle algum. Errado. Trata-se de uma PCE categoria de
controle I, não há isenção de GT para este item (art. 174 do
R-105), e como tal, seu transporte depende da competente autorização.
Assim, o simples fato de se enviar uma luneta das mais comuns
desacompanhada da autorização de transporte, configura o crime do
art. 14, porque o tipo compreende ACESSÓRIOS, não apenas arma de
fogo e munição. Se o item enviado fosse uma carabina a arma
comprimido, por não se tratar de arma de fogo nem de acessório, o
crime não estaria caracterizado.
Transportar
– o verbo transportar, no âmbito da legislação brasileira de
armas de fogo, e analisando-se historicamente o R-105, diz respeito à
condução de material de terceiros. O cidadão vai até o aeroporto
com sua arma, ele está portando a arma. Ele entrega sua arma na
companhia aérea, que irá conduzi-la até o destino – a empresa
está transportando a arma. Quando o cidadão recebe novamente sua
arma no destino, está novamente portando-a. Não importa que em
todos os momentos a arma estivesse desmontada e dentro de uma
embalagem, é esta a diferença entre porte e transporte. Então só
comete o crime de transportar aquele que conduz, profissionalmente,
arma de fogo, acessório ou munição de terceiro, desde que este
transporte se faça ilegalmente – a ilegalidade será analisada
mais a frente, neste artigo, e necessita que se somem a ausência de
autorização mais a violação da lei ou regulamento.
Porte
e transporte são atividades distintas, tratadas de forma
diferenciada no R-105, e seria um erro crasso se confundir as duas
atividades. Infelizmente existem pessoas que, sem se dar ao
trabalho de estudar suficientemente o assunto, confundem os dois
institutos, com graves consequências jurídicas.
|
Empregar
– dia 02 de outubro de 2015, ladrões atiraram contra dois
policiais, um cidadão comum se aproximou para ajudar um dos
policiais caídos, tomou a arma do policial e continuou o fogo contra
os bandidos5.
Pela leitura fria do tipo penal, o cidadão responderia pelo fato de
empregar arma de fogo (no caso, a arma do policial provavelmente era
de calibre restrito, e isto nos remeteria ao art. 16). Não vou
mencionar o crime de disparo em área urbana, porque não é o
objetivo deste trabalho. Pela atual mecânica de nosso direito penal,
as excludentes de ilicitude salvariam POSTERIORMENTE o cidadão,
inclusive porque qualquer pessoa sob situação de risco própria ou
de terceiro, tem o direito de se utilizar dos meios ao seu alcance
para sua defesa – o que, obviamente, inclui uma arma de fogo. Mas o
termo empregar diz respeito justamente a esta situação – a pessoa
não possuía uma arma de fogo e sua munição, nem muito menos a
portava. Teve acesso ao objeto exclusivamente no momento dos fatos, e
a utilizou. Se a tivesse utilizado para a prática de outro crime,
muito provavelmente o fato de empregar a arma de fogo seria o crime
meio, onde em não se tratando de agravante, provavelmente ocorreria
uma hipótese de consunção. Este é o tipo penal pensado
exclusivamente sob a ótica do desarmamento da população, e nenhum
meliante jamais perderia um segundo sequer para pensar nas
consequências do crime aqui referido, pois, reitero, este crime
seria absorvido pelo crime-fim. Este é um tipo penal que visa
exclusivamente criminalizar o acesso ao meio de defesa.
Ocultar
– ocultar uma arma de fogo é um crime que geralmente é acessório
de outro. Assim, por exemplo, um bandido em fuga atira sua arma em um
matagal, ou a esconde em um buraco. Para se caracterizar este crime,
é necessário que a ocultação seja ilícita. O cidadão que tem
uma arma registrada (SINARM) ou apostilada (no SIGMA não se
registram armas, apenas se apostilam em mapas) e decide ocultá-la
para fins de segurança do próprio objeto, prevenindo-se de eventual
furto ou roubo, não comete tal crime, aliás, tratar-se-ia de crime
impossível, de vez que existe averbação pública do endereço da
guarda da arma, acessório ou munição. Se o mesmo ato for praticado
com um objeto ilícito, por exemplo, uma arma não apostilada, ou uma
munição que não se adéque a nenhuma arma do agente, ao ser
localizado o objeto, estará configurado o crime. Deixar de entregar
arma para perícia após seu uso pode, hipoteticamente, caracterizar
este crime, mas já existe Projeto de Lei6
em andamento para corrigir este absurdo, pois é justamente após
necessitar utilizar sua arma que a pessoa fica mais vulnerável –
comparsas do criminoso abatido, ou parentes vão estar no calor das
emoções, e irão tentar vingança, mesmo que a primeira ação
tenha sido justa. Se a pessoa se negar a entregar a arma para
perícia, estará cometendo o crime de ocultação de arma de fogo,
crime este que, neste caso, será absorvido pelo princípio da
consunção pelo crime principal, mesmo em caso de absolvição do
agente por alguma excludente de ilicitude.
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
O caput
do artigo 16 se assemelha muito ao do artigo 14, mas compreende
também o verbo POSSUIR. Isto significa que, ao contrário do que
acontece com as armas de calibre permitido, neste caso o simples fato
de se ter dentro de seu domicílio uma arma de fogo, acessório ou
munição de calibre proibido ou restrito não aponta para o crime do
artigo 12, mas sim para este do artigo 16, cuja pena é mais grave.
Os verbos restantes do caput foram analisados no art. 14o.
Além dos
crimes do caput, existem também os verbos dos incisos I a
VI, conforme segue:
I
- suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de
identificação de arma de fogo ou artefato;
Aqui não
se trata apenas de arma de calibre restrito ou proibido, mas de
qualquer ARMA DE FOGO OU ARTEFATO, não ficando claro do que se
trataria a palavra “artefato”. Imagina-se se tratar de objeto
equivalente a arma de fogo, mas este é, sem dúvidas, um texto de
péssima qualidade.
II
- modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la
equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins
de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial,
perito ou juiz
Aqui se
trata de modificações específicas, de forma a que uma arma de
calibre permitido adquira características de outra semelhante, mas
de calibre restrito ou proibido. Um exemplo bastante comum, é uma
pequena usinagem realizada em armas no calibre .38 SPL, de forma a
receberem cartuchos de munição .357 Magnum. Em algumas armas isto é
até possível do ponto de vista técnico, ou seja, a arma consegue
suportar as pressões da carga maior, mas na quase totalidade das
vezes tais modificações colocam até o operador da arma em risco. É
necessário que tal modificação seja de calibre permitido para
restrito ou proibido, ou que a modificação seja totalmente oculta,
de forma a tentar dificultar ou induzir as autoridades relacionadas a
erro. Se a modificação for para outro calibre permitido, ou se for
visível, ou seja, se não houver a tentativa de induzimento a erro,
o crime não se configura. Um caso de modificação oculta, é
seletor de rajadas para armas semiautomáticas – mas isso seria
facilmente perceptível para o perito.
III -
possuir,
detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar
Qualquer
um dos verbos deste inciso, que são claros e não dão margem a
interpretação, incidem na mesma pena do caput.
IV
– portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo
com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;
Este
inciso se refere às armas com numeração ou sinais de identificação
raspados. Se o agente praticar algum dos verbos deste inciso, mesmo
com uma arma de calibre permitido, novamente, incidirá nas penas do
caput.
V
– vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de
fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente
Neste
inciso incide qualquer um que permitir que criança ou adolescente
tenha acesso ou utilize armas de fogo, acessório, munição ou
explosivo. Como o tipo é por demais aberto, estaria incidindo neste
crime quem praticasse um dos verbos mesmo com uma simples luneta de
uso permitido que estivesse em uma arma de pressão, ou com uma
bombinha de festas juninas? Qual a extensão deste tipo penal? De
qualquer forma, hoje já está suficientemente claro que adolescentes
podem praticar o Tiro Desportivo, mediante CR do Exército
Brasileiro, com alvará judicial.
VI
- produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou
adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo
No Brasil
munições, pólvoras e espoletas só podem ser produzidas por
empresas devidamente autorizadas pelo Exército Brasileiro, que
recebem um documento denominado Título de Registro – TR. Fora
isso, é necessário apostilar-se a atividade de recarga de munições,
tanto para CACs como para entidades autorizadas para recarregar
munições, sendo que, em qualquer caso, às pessoas autorizadas é
terminantemente VEDADO o comércio de munição recarregada.
Elementares condicionantes do tipo penal
Tanto o
art. 14 quanto o art. 16 tem condicionantes que precisam ser
cumpridas, antes que se configure o Tipo Penal. Na ausência de uma
ou mais condicionantes, não existe o crime.
São duas
as condicionantes que devem estar presentes simultaneamente.
I – o
agente deve estar SEM AUTORIZAÇÃO e;
II – O
agente de estar violando a lei (Lei federal, exclusivamente, por se
tratar de matéria penal) ou o seu regulamento (O Estatuto do
Desarmamento é regulamentado pelo Decreto 5.123/04, e, por força no
disposto no art. 23o da própria lei, também é
regulamentado pelo Decreto 3.665/2000).
A violação
destas duas condicionantes devem ocorrer simultaneamente, ou seja, a
pessoa deve estar sem autorização MAIS estar descumprindo a lei ou
o regulamento.
Sim,
percebam que existe uma conjunção aditiva “e” entre a primeira
e a segunda condicionante. Deste modo a pessoa que estiver com
autorização mas descumprindo a lei ou o regulamento não comete o
crime, da mesma forma que aquele que estiver sem autorização mas
cumprindo a lei e o regulamento. Isto é importante, e tem uma
aplicação prática no cotidiano, como veremos a seguir.
Ausência de autorização
A
primeira, é que tais crimes só se configuram na ausência de
AUTORIZAÇÃO.
Em Direito
Administrativo,
autorização “é
um ato administrativo discricionário, unilateral e precário, pelo
qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização
de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens
particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante
interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da
Administração”7.
A
autorização é concedida em razão de um ato ou fato que se
considere a princípio como proibido, enquanto a licença, por
exemplo, é concedida em razão de um ato ou fato que se considere
permitido, mas o poder público exerça controle.
Vimos que,
de acordo com a primeira parte do caput do art. 6o,
genericamente TODOS são proibidos de portar arma no Brasil. Mas
sabemos que pessoas portam arma no Brasil, sem para tanto depender de
autorização. Isto se deve à segunda parte do caput, onde se
excepcionam aqueles já autorizados em lei especial, e aqueles
descritos nos diversos incisos do art. 6o.
Então,
aqui no Brasil só quem precisa de AUTORIZAÇÃO de porte de armas, é
o cidadão comum, e isto é suprido exclusivamente mediante o Porte
de Armas do art. 10o, ou seja, mediante o Documento de
Porte de Armas expedido exclusivamente pela Polícia Federal. Não há
outro caso de autorização de Porte de Armas em nosso ordenamento
jurídico.
Um Juiz de
Direito tem o seu porte garantido pela LOMAN, então não depende de
autorização de porte, ou seja, não irá na Polícia Federal
requerer um Documento de Porte de Armas, inclusive porque pode portar
armas de calibre restrito, e não há previsão na Lei 10.826/03 para
autorização de porte de armas de calibre restrito. Então o
magistrado porta sua arma tendo em mãos seu documento funcional, e o
documento de sua arma. Apenas isso, mais nada. Um Juiz de Direito,
para cometer os crimes dos arts. 14o ou 16o da
Lei 10.826/03, deverá estar descumprindo a lei ou o seu regulamento
– fora dessa hipótese, não há crime possível.
Coloquei
este exemplo apenas para demonstrar, de forma prática, que
AUTORIZAÇÃO, ou seja, a primeira condicionante, se aplica
exclusivamente ao cidadão comum, aquele que depende de ter Porte de
Armas emitido pela Polícia Federal – porque ele é o único
proibido pelo caput do art. 6o. Todos os listados
nos diversos incisos do art. 6o não tem autorização,
justamente porque não são proibidos de portar armas8.
Violação da lei ou do regulamento
Mesmo
aqueles dispensados de autorização, devem cumprir a lei ou o
regulamento a fim de não estar cometendo os crimes dos artigos 14 e
16.
Novamente
temos uma conjunção, mas desta vez, é uma conjunção alternativa.
Vejam que
tanto faz se o agente está descumprindo a lei ou o regulamento, mas
importa sim que esteja descumprindo um dos dois E esteja sem
autorização. Só assim se configura o crime.
Quando o
tipo pena se refere a “Lei”, estamos nos referindo
especificamente às Leis Federais que regulam a propriedade, a posse
e o porte de armas. São a Lei 10.826/03, a LOMAN9,
e a LOMP10.
Não existe incidência de nenhuma lei no que diz respeito ao crime
ilegal de armas de fogo.
Quando o
tipo penal se refere a “Regulamento”, isto diz respeito
exclusivamente ao Decreto 5.123/0411,
e por força do disposto no art. 23o, também o Dec.
3.665/2000, conhecido como “R-10512”.
Caso o
agente esteja com a autorização ou esteja cumprindo a lei e o
regulamento, ele pode sem problema algum estar violando portaria,
instrução normativa, instrução técnico administrativa, ou o que
mais a administração direta vier a redigir e publicar, INCLUSIVE
porque é inconstitucional se criar deveres e obrigações, senão em
virtude de LEI FEDERAL13.
O máximo que pode ocorrer é alguma sanção administrativa, que,
neste caso, será facilmente revertida pela inconstitucionalidade da
norma.
Este
é um ponto central: Existem interpretações jurisprudenciais
afirmando que alguém pode responder por porte ilegal de arma de
fogo, caso esteja violando portaria ou norma, mesmo que inferior a
portaria. Isto contraria o Tipo Penal que não tem esta previsão,
e viola inclusive o Princípio da Anterioridade da Lei Penal: Não
existe crime nem pena sem LEI FEDERAL anterior que a culmine.
|
Aqui no
Brasil, no entanto, os tipos penais dos dois crimes de porte ilegal
de arma de fogo só descem na análise até o regulamento da lei,
sendo irrelevante penalmente as regras infra-ministeriais e outras, e
com isto alcançamos segurança jurídica.
Por que
isso é relevante? Vejamos o exemplo de países desenvolvidos: Nos
EUA, por exemplo, são criadas “Gun free zones14”
pela mera colocação de uma placa “No guns allowed15”.
É uma prerrogativa do proprietário de uma casa comercial, por
exemplo, permitir ou não a entrada de cidadãos armados, ainda que
os mesmos tenham ou não necessitem de autorização estatal para
tanto.
Aqui no
Brasil um proprietário de uma boate, por exemplo, não teria esta
prerrogativa de escolher se o seu cliente pode ou não adentrar
armado em seu estabelecimento, pelo fato de já existir
regulamentação a este respeito no Dec. 5.123/04, mas
principalmente, porque as condições de uso e porte de armas de fogo
estão firmemente definidas em lei federal, e o tipo penal se
restringe à análise do tripé AUTORIZAÇÃO + CUMPRIMENTO DA LEI ou
CUMPRIMENTO DO REGULAMENTO DA LEI.
1Produto
Controlado pelo Exército, definição no R-105
2HC
85465/2015, 1a Câmara Criminal do TJ-MS, Rel. Des.
Orlando de Almeida Perri, J. 21/07/2015
3Os
arts. 31 e 32 do Dec. 5.123/04, contrariando o disposto na lei,
legisla criando a obrigatoriedade de atiradores EM ATIVIDADE
INTERNACIONAL, caçadores e colecionadores transportarem suas armas
desmuniciadas e separadas da munição. Atualmente a ITA 03/2015 do
DFPC também legisla criando obrigações, mas isto é vedado pelo
art. 5o, Inc. II da Constituição Federal, e não é
relevante do ponto de vista penal, porque o tipo penal não abrange
portarias, instruções, regras de condomínio, estatuto de clubes,
etc.
6PL
3260/2015, de autoria do Dep. Eduardo Bolsonaro -
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=2017116
7MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro.
35 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pág 190
8A
nossa Constituição Federal incorpora a teoria denominada “Pirâmide
de Kelsen”, onde existe uma hierarquia normativa, sendo que normas
inferiores servem apenas para dar efetivo cumprimento às normas
superiores. Qualquer ato legislativo ou normativo contrário a esta
regra, é inconstitucional e não pode ser acatado.
9Lei
Complementar 35, de 14 de Março de 1979, art. 33 Inc. V
10Lei
8.625, de 12 de Fevereiro de 1993, art. 42.
11“Regulamenta
a Lei no
10.826,
de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e
comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema
Nacional de Armas - SINARM e define crimes”
12Regulamento
para a Fiscalização de Produtos Controlados
13Constituição
Federal, art. 5o, Inc. II.
14Zonas
livres de armas, não por coincidência, palcos das maiores
tragédias de forma recorrente.
15Em
tradução livre, “Proibido entrar armado”.
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