Eu
tenho dificuldade para explicar para alguns amigos que já fui
algumas vezes em Las Vegas e nunca apostei nem uma moedinha... Mas
para quem chegou lá pela primeira vez para ir em uma Shot Show e
fazer cursos de aprimoramento em tiro e defesa, aquilo é a
Disneylândia dos atiradores.
Poder
atirar com as melhores armas do mundo com um preço justo na munição
é uma experiência e tanto. Não é à toa que a maioria das armas
que importamos aqui vem dos EUA – não é só o valor, mas também
a diversidade que nos fascina.
Ver
a forma como os gringos pensam sua relação com as armas de fogo
também é uma experiência e tanto. Em janeiro de 2017 fiz um curso
para obter o porte oculto para o Estado de Nevada poucos dias após o
registro de armas ser abolido naquele Estado. O nosso instrutor, um
policial da cidade de Las Vegas, explicou que a polícia não precisa
de um pedaço de papel identificar uma arma – a arma é
auto-identificável. Outra coisa que foi dita é que o registro
identifica o dono da arma mas não quem estava com ela ou quem
praticou um crime com seu uso. Uma curiosidade: Todos chamam o Porte
Oculto de “CCW” ou Concealed Carry Weapon, mas o documento na
verdade se chama CCP, Concealed Carry Permit. É realmente uma
cultura diferente, com pensamentos que nem se parecem com os nossos.
Para eles a arma coldreada de forma aparente (Open Carry) não
significa uma ameaça a menos que a pessoa saque a arma. Em
contrapartida eles consideram o porte oculto (dissimulado) como uma
ameaça, pois em tal condição não é possível se identificar uma
ameaça. Por este motivo o Open Carry é free, livre, liberado.
REALMENTE liberado em Nevada. Se uma pessoa maior de idade estiver
portando uma arma (sem registro, porque não existe mais registro de
armas) um policial não tem o direito de abordar esta pessoa devido a
estar armado, exceto se houver indício da prática de algum crime.
Até
eu que sonho com um Brasil livre e democrático sou obrigado a
confessar que me senti bem estranho ao ver cidadãos portando suas
armas abertamente na Strip ou dentro de um restaurante de beira de
estrada. Não estamos acostumados com liberdade e cidadania.
Mas
eu precisava ir para Houston-TX, e aproveitei para fazer outra coisa
que amo – entrar num carro e rodar, rodar, rodar... E como é bom
rodar com a gasolina a US$ 2,19 o galão.
Em
Maio de 2018 eu fiz isso, saí de Las Vegas com um Ford Escape,
passei em Albuquerque para visitar locais onde foi filmada a série
“Breaking Bad” e continuei em direção ao Texas. No meio da
Route 66 vi uma plaquinha indicando o Museu “Billy the Kid”. Me
lembrei das muitas horas que passei com meu saudoso pai assistindo
westerns, e parei para ver no GPS qual seria o desvio necessário. Se
eu não ficasse muito tempo no museu o tempo daria tranquilo. Lá fui
eu.
A
primeira coisa que surpreende um brasileiro é um belo canhão que
está na frente do museu, na beira da estrada. Um choque de
civilidade, uma peça belíssima exposta na beira da estrada sem
nenhum vestígio de vandalismo. Fiquei imaginando se alguém do DFPC
visse isso – iriam querer que o canhão fosse guardado
imediatamente em alguma sala forte ou coisa parecida...
Mas
chega de enrolar – estou aqui para falar do personagem Billy the
Kid, seu museu na cidade de Fort Sumner e o seu mausoléu.
Billy
the Kid nasceu William Bonney em 02 de Novembro de 1860. Seu pai
morreu quando ele ainda era pequeno e sua mãe casou novamente com
William Antrim, quando a família se mudou para Silver City no Novo
México. Sua mãe faleceu em 16 de Setembro de 1874. Com 15 anos de
idade Billy foi preso pela primeira vez, por roubar um cesto de
roupas. Ele fugiu e saiu de Silver City. Aproximadamente um ano
depois ele matou um armeiro e voltou para o Novo México onde após
algum tempo começou a ficar famoso como criminoso. Com 21 anos de
idade ele foi sentenciado à forca mas fugiu da prisão de Lincoln
County e foi morar em Fort Sumner, onde foi morto pelo delegado Pat
Garret em julho de 1881.
Mas
a história não é tão simples.
Em
1876 um imigrante inglês chamado John Tunstall comprou grandes áreas
de terra em Lincoln County, Novo México, uma região onde todo os
contratos de fornecimento de carne para o governo dos EUA era
controlado por um cartel auto-denominado ‘The House’. Tunstall
não se intimidou, investiu pesado em gado e passou também a vender
para o governo ‘passando por cima’ do cartel, que passou a
ameaçá-lo. Devido às ameaças o fazendeiro contratou um jovem
capanga - William Bonne - para fazer a sua segurança. Em pouco tempo
o relacionamento entre Tunstall e William ficou como o de um pai com
seu filho, então quando William viu seu tutor ser assassinado a
sangue frio por um bando enviado pelo delegado de Lincoln County.
William iniciou uma trilha sangrenta de vingança que entrou para a
história dos EUA como LCW (Lincoln County War, ou Guerra do Condado
de Lincoln) finalizada três anos após Billy the Kid ter sido morto
pelo Sheriff de Lincoln County, Pat Garret. Garret matou Billy the
Kid em Fort Sumner, cidade onde está localizada o museu e sua tumba.
Foi
no desenrolar da LCW que William ficou nacionalmente famoso como
Billy the Kid, pela sua audácia e grande habilidade no uso de armas
de fogo. Nesta guerra entre o cartel e suas vítimas Billy the Kid
foi o único preso (mas alçou uma fuga espetacular, que só aumentou
sua fama). Ninguém foi processado pelas inúmeras mortes decorrentes
do conflito e finalmente o cartel prevaleceu, o que criou uma aura de
heroísmo sobre a figura de Billy the Kid.
O
Museu Billy the Kid é particular, criado em 1953 por Ed Sweet e
mantido hoje por Donald
Sweet e
sua família – sempre muito simpáticos, por sinal.
São aproximadamente 60 mil itens que compreendem desde bens pessoais
de Billy the Kid como seu rifle Winchester 1873 e itens de vestuário
até peças originais do quarto onde ele foi morto pelo delegado.
O
destaque fica sem dúvidas para a conservação do rifle.
O
museu reúne muitas peças originais da época, muitas armas,
munições e tem uma gift shop anexa. Infelizmente não foi possível
se abrir os vidros para se fotografar os itens, o que prejudicou
ainda mais a qualidade das fotos que tirei com meu próprio celular
apenas como registro da viagem. Ainda assim valeu a pena por poder
ver materiais originais da época, com registro de enforcamentos
públicos e outras coisas que vimos apenas nos filmes de faroeste. O
museu também foi feliz em mostrar várias facetas de Billy the Kid,
desde o bandido até o herói que lutou praticamente sozinho contra
um poderoso cartel.
Não
muito distante do museu fica o cemitério onde estão sepultados
Billy the Kid e seus dois companheiros Tom O’Folliard e Charlie
Bowdre, que faleceram juntos. O lugar é considerado ponto histórico
nacional e fica próximo do próprio Fort Sumner, que dá nome à
cidade. Respeitoso que sou em todos os cemitérios que já adentrei,
confesso que senti uma energia diferente visitando a tumba de Billy
the Kid e só quando já estava redigindo estas letras é que, ao
ampliar uma das fotos, vi que existiam munições e moedas na lápide
dos garotos. Uma curiosidade é que apesar de existir uma lápide com
o nome dos três amigos, na verdade os três estão sepultados em
diferentes lugares daquele cemitério, sendo impossível se
determinar a exata localização.
Não
quero fazer juízo de valor sobre Billy the Kid. Mas respeito e
admiro quem preservou a memória daquela parte da história do seu
país. Bem que podíamos aprender a fazer um pouco mais disso também
por aqui em nosso querido Brasil.