Tenho
visto com frequência policiais apreendendo, recolhendo e
transportando PCE1s,
com base apenas na sua suposta autonomia no exercício da função, e
algumas vezes mediante mandado judicial de Busca e Apreensão – em
quaisquer dos casos, o transporte se faz habitualmente SEM Guia de
Tráfego.
Armas,
munições, explosivos e diversos equipamentos e produtos são produtos sujeitos
a controle especial, só podem ser transportados EM QUALQUER PARCELA
DO TERRITÓRIO NACIONAL mediante o acompanhamento de Guia de Tráfego,
então na quase totalidade das vezes está se sendo cometido crime de
porte ilegal, seja do art. 14, ou do art. 16 do Estatuto do
Desarmamento, então a condução destes PCEs está se fazendo pela força DAS ARMAS do agente, não pela força da lei. E temos uma Constituição Federal justamente para que isto jamais ocorra.
A Legislação pertinente
No
Brasil, por força da redação do Estatuto do Desarmamento, o porte
de armas é proibido em todo o território nacional, salvo os casos
previstos em lei, e para os listados nos diversos incisos do Art. 6o.
Os policiais que estão isentos da proibição ao porte de armas
estão listados no Inc. II, que nos remete ao art. 144 da Polícia
Federal. Perceba-se que a Força Nacional de Segurança não se
encontra na lista. Exatamente. A Força Nacional foi criada por força
de Decreto Presidencial, não é uma polícia constitucional, e não
tem direito legal de porte de armas previsto em lei. Em outro artigo prometo analisar
a fundo o decreto que cria a FNS, existem outras
inconstitucionalidades e ilegalidades naquela peça legal.
A
lei se refere a estes agentes como NÃO PROIBIDOS a portar sua arma
de fogo, mas estes se submetem aos requisitos de suas respectivas
corporações. A questão do porte da arma de fogo de propriedade do
próprio pessoal não é claramente definida em lei, o art. 35 do
Dec. 5.123/04 deixa a questão em aberto para ser regulamentada pela
própria corporação (parágrafo primeiro), por este motivo existem
divergências quanto às restrições impostas em alguns estados,
onde leis locais buscam impedir que o policial porte a sua arma
pessoal durante o expediente, ou fora deste. Pessoalmente, acredito
que a arma de fogo na mão de um profissional treinado é questão de
segurança pública, então não devem ser impostas tais restrições.
Quando
o policial está portando uma arma particular de acervo de CAC2,
o seu porte é legal NÃO DEVIDO À SUA CONDIÇÃO DE POLICIAL (Inc.
II do Art. 6o), mas devido à seu status de CAC (Inc. IX). O Direito
é o mesmo, mas as condições são outras, os requisitos legais são
outros. Neste caso, não existe sujeição às regras da corporação,
mas sim às regras dos arts. 8o, 9o e 24o
do Estatuto do Desarmamento, e arts. 30 a 32 do Decreto 5.123/04,
cominado com o disposto no R-1053.
Em resumo, a arma tem que ser do acervo de ATIRADOR, e estar
acompanhada de GT4
válida e correspondente ao local.
Uma curiosidade: Não existe nenhuma vedação ao "Open Carry", ou porte ostensivo por CACs. Então o policial pode portar ostensivamente sua arma do acervo de tiro. Os CACs não o farão, pois por respeito e hábito estes portam suas armas de forma velada (Concealed Carry).
Veja
bem, tudo acima diz respeito ao direito de PORTAR arma de fogo, seja
a arma acautelada da corporação, seja a arma de propriedade do
policial.
Situação
totalmente diferente é a de se TRANSPORTAR armas, o que ocorre nos diversos casos de apreensão de PCEs.
As
forças policiais são AUXILIARES do Exército Brasileiro no controle
de armas e munições, conforme o disposto no art. 22, Inc. I do
R-105, exatamente da mesma forma que um Clube de Tiro, uma Federação
ou Confederação (Inc. V do mesmo artigo). Da mesma forma como
qualquer ente jurídico, as corporações policiais estão obrigadas
ao cumprimento da lei, e em se tratando de PCEs, tratam-se de
produtos sujeitos ao controle segundo os termos do R-105. E o R-105
determina em seu art. 165 o seguinte:
Art.
165. Os produtos controlados sujeitos à fiscalização do tráfego
só poderão trafegar no interior do país depois de obtida a
permissão das autoridades de fiscalização do Exército, por
intermédio de documento de âmbito nacional, denominado GT, Anexo
XXIX.
Assim, apenas para citar um exemplo, um cidadão que teve sua arma de TIRO, caça ou coleção
apreendida judicialmente, só poderá retirá-la mediante a
apresentação de GTE. Não existe nenhuma outra forma admitida em
lei para o tráfego de PCEs em território nacional.
Quando
uma fábrica envia armas ou munições para os seus clientes, MESMO
QUANDO O CLIENTE É O PRÓPRIO EXÉRCITO, os produtos só podem sair
acompanhados da respectiva GTE. Da mesma forma os atletas transitam
com GTEs, e até mesmo as entidades desportivas não podem em
hipótese alguma deslocar PCEs sem a GT ou GTE – para esta regra
NÃO EXISTEM EXCEÇÕES.
Do tipo penal
Os
crimes de porte de arma de fogo se configuram nas seguintes
condições:
-
Se o agente estiver SEM AUTORIZAÇÃO
-
Mesmo estando com a autorização, se violar a lei ou o regulamento.
Oras,
a lei fala genericamente em “autorização”. Mas a autorização
se materializa de diversas maneiras.
→ Para
o cidadão comum, a quem o porte de armas é PROIBIDO, a autorização
se configura em um documento de Porte de Arma, art. 10 ou 16 do
Estatuto do Desarmamento;
→ Para
um CAC, única categoria de civis a quem o porte de armas não é
proibido, a autorização (licença, no caso) se configura através
da GTE (art. 6o, Inc IX, art. 8o, art.9o
e 24 do Estatuto do Desarmamento, Arts. 30 a 32 do Dec. 5.123/04,
mais o disposto no R-105);
Quando
se trata de cumprimento de uma ordem judicial de Busca e Apreensão,
a autorização é judicial. Quando se trata de prisão em flagrante
por crime praticado com o PCE, a autorização é intrínseca à
própria atividade policial.
O
mandamento do art. 301 do Código de Processo Penal é claro, e não
dá espaço para interpretações:
Qualquer
do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Ok.
Até aí, então, resolvida a questão da AUTORIZAÇÃO.
A
seguir, é necessário que também não se esteja violando a lei OU o
regulamento. Como lei, compreende-se a Lei 10.826, de 22 de Dezembro de 2003.
O
regulamento da Lei 10.826/2003 é o Dec. 5.123/04, mas o Regulamento
de Fiscalização de Produtos Controlados é o Decreto 3.665/2000. O
descumprimento de qualquer um dos dois implica na prática dos crimes
dos artigos 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento.
Então,
para se portar (E PARA SE TRANSPORTAR) armas de fogo, é necessária
AUTORIZAÇÃO, e não pode estar sendo violado dispositivo legal e
regulamentar. Ponto.
Se
o agente descumprir Instrução Normativa, Portaria, ordem oficial,
etc... mas estiver com autorização (ou licença) e cumprindo a lei
e o regulamento, não há a prática de crime.
Dos tipos de GT
A
lei prevê alguns tipos específicos de Guia de Tráfego. A mais
comum, é denominada meramente de GT, e é expedida pelas fábricas e
pessoas jurídicas autorizadas a transportar produtos controlados,
geralmente emitida pela própria empresa mediante a aquisição
prévia de selos. A mais abundante, é a GTE de CACs, expedida por
autoridade militar. Durante a campanha de desarmamento foi muito
comum a Polícia Federal emitir GT para que o cidadão transportasse
a arma até o local de entrega, isto está dentro das atribuições
da Polícia Federal.
A
Guia de Trânsito emitida pela Polícia Federal tem em seu
previsivo, art. 70 do Dec. 5.123/04, a ordem explícita de que a
mesma NÃO AUTORIZA O PORTE DA ARMA (
§
3o),
e para pessoas com dificuldade de leitura e interpretação de
texto isto gera graves problemas para quem utiliza a GTE como
porte de arma (Art. 30). O
primeiro caso trata de pessoas a quem é proibido o porte de armas
(todos, genericamente), o segundo caso trata de pessoas (CACs) que
são autorizados a portar arma de fogo (Art. 8o
do Estatuto do Desarmamento.
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As
polícias descritas no art. 144 da Constituição Federal, na posição
de entidades auxiliares do Exército Brasileiro no controle de
produtos controlados, não são vedadas a emitir Guia de Trânsito,
mas a verdade é que não existindo regulamentação, também não
podem adquirir os selos necessários para a emissão do documento.
Para
mencionar um exemplo, se uma arma de uma corporação policial
necessita de reparos, A FÁBRICA emite uma nota fiscal e a GT
correspondente para que uma outra pessoa jurídica COM CR DE
TRANSPORTE retire o armamento e o leve até a fábrica. A corporação
não emite a GT.
Conclusão
É óbvio que a GT de que se trata o presente artigo é aquela autorizando O AGENTE a transportar o PCE. Se fosse a GT ou GTE do proprietário da arma apreendida, com certeza não haveria a apreensão, e mesmo sendo o caso, esta não autorizaria OUTRA PESSOA a transportar a arma ou o PCE.
Então,
os agentes previstos do art. 144 da Constituição Federal tem
direito ao porte institucional de sua arma acautelada em serviço,
podem excepcionalmente utilizar sua arma pessoal nos termos do art.
35 do Decreto 5.123/04 (armas registradas no SINARM ou SIGMA
registrada pela corporação), podem utilizar suas arma de CAC desde
que a arma seja do acervo de atirador e estejam cumpridos os
requisitos do art. 30 do Decreto 5.123/04, mas em nenhuma hipótese
podem TRANSPORTAR PCEs apreendidas em ação policial ou em
cumprimento de ordem judicial sem que as mesmas estejam devidamente
acompanhadas de GT, sob pena de estarem cometendo os crimes do art.
14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento.
1PCE
= Produto Controlado pelo Exército – art. 3o, Inc.
LXIX do R-105.
2Colecionador,
atirador e caçador, três categorias nas quais os civis se
registram no Exército Brasileiro
3R-105
– Decreto presidencial, atualmente previsto no art. 23 do Estatuto
do Desarmamento e art. 49 do Dec. 5.123/04.
4GT
= Guia de tráfego, art. 3o, Inc. LIV do R-105.
Atualmente é emitida por meio eletrônico, então é tratada como
Guia de Tráfego Eletrônica - “GTE”.