Eu
sou um atirador registrado no Exército Brasileiro, mas confesso que
conheço pouco de vasta gama de modalidades existentes nos esportes
de tiro. Agora que me aproximo dos meus cinquenta anos de idade,
adquiro uma consciência cada vez maior de tudo o que eu não sei –
mas sou grato a cada dia, por cada lição que me é dada.
É
que minha experiência no tiro desportivo é modesta, mas antiga. Meu
pai me ensinou a atirar quando eu tinha 7 anos de idade. Assim que eu
consegui segurar a pesada espingarda espanhola calibre 16 de dois
canos, comecei a fazer tiro em latinha, enquanto os moleques da minha
idade ainda sonhavam com uma espingardinha de chumbinho. Tinha que me
encostar em algum mourão, para não ser derrubado para trás. Ainda
antes disto, minha mãe me conta que eu cheguei a ficar doente, de
tanta vontade que eu tinha que ela me comprasse uma espingarda de
rolha que eu havia visto na Lapa, bairro de São Paulo. Meu primeiro
ato como homem adulto, no dia do meu aniversário de 18 anos, foi
comprar uma pistola Taurus PT-57, recém-lançada quando o calibre
7,65mm se tornou permitido. Quando completei 21 anos, comprei um
snubby .38, tirei porte, e só tirava a arma da cinta para tomar
banho. Todas as vezes que eu podia, ia nas quartas à noite na
Hebraica queimar um pouco de munição canto vivo. Em vez de levar as
garotas para um jantar, as levava para o clube de tiro. Algumas vezes
dava certo! E naquela época só rico tinha CR – a gente ia no
clube, apresentava identidade e registro da arma, entrava e atirava.
Simples assim. Se estivesse sem arma, apresentava só a identidade e
atirava com armas do clube, na época algum revólver calibre .22.
Dizem
agora que a gente vivia em uma ditadura. Nunca vi isso. A gente tinha
liberdades civis que agora são impossíveis – e hoje nossas
liberdades estão sendo tolhidas sem reação.
Se
alguém me perguntar se já fiz alguma coisa errada com uma arma,
digo sem dúvidas – tem dia que saia sem ela. Um pouco menos errado
foi ter andado com a arma na cintura com o porte vencido, o pessoal
da ROCAM em São Paulo me levou para a delegacia lá no Ibirapuera, e
tomei uma bronca do delegado, que exigiu que eu levasse o PROTOCOLO
do porte para poder sair com a arma da delegacia. A minha arma ficou
lá, sozinha, naquela sala escura da delegacia.... (snif...) No dia
seguinte apresentei o protocolo para o delegado, coloquei o
burdoguinho na cintura, e fui embora, continuar a minha vida.
Quando
a lei mudou e a gente precisou tirar porte federal, nunca mais tive
porte de armas. Passei um período confuso de minha vida, aquele
momento de transição em que repensamos valores, a vida dá muitas
voltas, diversas viradas, trabalhei e estudei, estudei e trabalhei, e
estudei mais um pouco – sem dizer o período em que trabalhei com
ciência, onde trabalho e estudo se tornaram uma coisa só.
Como
não consigo ficar fora dos esportes de tiro, nem que fosse para dar
uns tiros em latinha na fazenda, a única opção foi tirar CR no
Exército Brasileiro. Opção cara, burocrática, demorada... Mas que
até há pouco tempo atrás, funcionava. Acabei dando aulas de
Balística Forense em uma faculdade, um daqueles casos em que a gente
nem sabe se está trabalhando ou apenas se divertindo.
Desde
o exato momento em que eu tirei meu CR, tenho visto a cada dia mais e
mais regras, regras restritoras e constritoras, serem despejadas
sobre nós – CAC's, proprietários de armas, clubes de tiros, etc.
Na
esteira destas regras, e às vezes até forçando A CRIAÇÃO de
novas regras, vêm os clubes, federações e confederações. Para os
clubes foi providencial a regra do EB que obrigou todos os atiradores
a se afiliarem, do dia para a noite nasceram clubes inteiros. E as
regras que nos obrigam a estar filiados a Confederações para poder
obter GTE nacional e autorização de compra de armas de calibre
restrito criou confederações SEM FEDERAÇÕES, na verdade um
pequeno escritório que cobra as anuidades, emite as requisições,
apenas isto. Resumindo, muita gente passou a ganhar a vida na esteira
do aumento da burocracia. É verdade que também houve um grande crescimento da atividade desportiva do tiro, mas isto também deve ser objeto de um trabalho mais coordenado: Alguns presidentes de clubes, e volto a recitar, presidentes de federações confederações e ligas, também se sentem solitários e isolados, lutando contra o mundo e contra a miríade de regras que limitam nossas atividades, pois até o momento não existe um mecanismo coordenado para fazer combate de forma séria, dentro dos limites dos recursos legais que nossa Constituição Federal nos dá.
Burocracia
é a mãe da corrupção. Quanto mais burocracia, mais corrupção. A
corrupção é basicamente isto, complicar tudo, e depois dar o
“jeitinho brasileiro” para liberar o que ficou complicado demais.
Mas tanto a burocracia quanto a corrupção tem um preço, maior do
que o que se cobra: A perda da confiança no sistema.
A
propriedade e o uso de armas no Brasil se tornou uma questão
delicada desde o momento em que o governo passou a ver o povo como
seu inimigo (campanhas do desarmamento). Se é verdade que ficou
muito difícil de se cumprir a imensa maioria das regras (ou
impossível, quase sempre), o fato de existir corrupção ou
“quebra-galhos” nos procedimentos administrativos é um ponto
contra toda a comunidade de atiradores brasileira. Se o governo está
errado, precisamos combater a situação atual de acordo com as
regras do Direito, sob pena de estarmos nos tornando tão criminosos
quanto os bandidos que determinam que as vítimas entreguem suas
armas em detrimento dos bandidos. E me desculpem aqueles que se
julgam honestos, mas propagam as doutrinas do desarmamento civil:
Vocês estão prestando serviços EXCLUSIVAMENTE para os bandidos,
muitas vezes com o salário pago por nós, as vítimas. Por este
motivo posso afirmar hoje, sem nenhum medo de errar, que quem prega o
desarmamento é bandido. Se não comete os crimes por si só, é
bandido por derivação – o dano social é o mesmo.
Com
o passar do tempo observamos os vários atores pró e contra o
desarmamento, dentro e fora do Brasil, e ao analisarmos suas
histórias, vemos que a coisa pode sempre se resumir de forma
extraordinariamente simples: Ninguém desarma seu amigo, mas apenas
seu inimigo. Se o Ministro da Justiça vai a público e afirma que o
único motivo para existir o desarmamento é o risco de acidentes
domésticos com armas de fogo, e que o objetivo da campanha do
desarmamento não é desarmar o bandido, a falácia flutua e se torna
aparente. A tendência da massa fecal é sempre flutuar. O nosso
dinheiro DEVERIA estar sendo gasto em políticas de segurança
pública, combate ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas
ilegais – mas é desviado para se retirar as armas com que o
cidadão decidiu defender sua casa e sua família.
Alguns
heróis brasileiros se levanta solitários, como o Prof. Benê
Barbosa, em uma campanha que em algum momento chegou a parecer
quixotesca, contra poderosas ONGs financiadas pelo governo brasileiro
e ONGs e governos de outros países. O trabalho do Prof. Benê ainda
renderá livros e monografias, e hoje eu tenho a honra de conhecê-lo,
poder apoiar e confiar em seu trabalho, dando o pouquíssimo suporte
que eu pessoalmente consigo. Mas o que eu faço em prol de sua
militância, o faço de todo o coração, ciente da importância de
seu trabalho, e da diferença que faz e fará em nossa história, e
na história da defesa dos direitos civis no Brasil. O trabalho do
Prof. Benê é bonito e tem muitos méritos, ele vai lá e dá a cara
a tapa, dá entrevista, se submete a sessões no Congresso Nacional,
arregaça as mangas e faz acontecer. E como a justiça (o direito
natural) e o bom senso estão ao seu lado, tem obtidos grandes
vitórias. Só quem é dono de uma gigantesca desonestidade sustenta
o desarmamento dos homens de bem de uma nação inteira, e mesmo
estes, graças ao trabalho do Prof. Benê, agora o fazem tendo que
ASSUMIR seu desvio moral.
Sobre
as ONGs desarmamentistas, elas vivem em um paraíso. O dinheiro vem
fácil para quem defende ideologias marxistas, e o exército de
idiotas úteis com os cérebros formatados segundo as ideologias de
governos, fruto de pelo menos duas ou três décadas de doutrinação
nas maiores universidades do país, são público constante, gerando
efusivos aplausos a cada vez que o governo consegue aprovar alguma
lei desfavorável aos civis proprietários de armas, ainda que
através de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha,
desvio de verbas públicas, lavagem de dinheiro e tantos outros
esquemas criminosos. Os culpados vão até presos, mas as leis
mensaleiras continuam em vigência, com todos os seus malefícios.
Recentemente,
com o boom do Facebook, nasceram várias entidades de defesa dos
direitos dos atiradores, cuja militância acontece quase que, senão
exclusivamente, via internet. Mas nenhuma delas enfrenta as situações
em campo, vendo as autoridades olho no olho, cobrando o que deve ser
cobrado, exigindo o que deve ser feito. Nenhuma delas se propõe a
fazer um ofício para uma autoridade exigindo explicações ou
providências. É muito confortável ser um combatente em casa, atrás
da tela de um computador. É fácil perceber que só isto não é
suficiente, não resolve os problemas de quem quer comprar sua arma
para ter em casa mas tem o direito negado por um delegado federal, o
que dizer então de um desportista com diversas armas, ou um clube de
tiro em pleno e real funcionamento...
Eu
vejo a internet com uma coisa boa, graças ao meu amigo Paulo Cesar
Breim eu tive a honra de viver a pré-história da internet no
Brasil, meu primeiro e-mail eu obtive alguns anos antes de nascer a
internet comercial no Brasil. Mas a internet é apenas uma
ferramenta. Uma ferramenta cada vez melhor, cada vez mais poderosa,
com grande influência no pensamento, e com uma capacidade de
conformação do pensamento que até recentemente era quase exclusiva
da televisão. Se isto não fosse verdade, nosso governo não estaria
em pânico buscando cada vez mais controlar este meio de comunicação.
Mas para nós, CACss e proprietários de armas, não é suficiente
ficar dando opiniões na internet. A militância do Prof. Benê
mostra isto.
Neste
contexto ficou bem claro que existe uma lacuna na defesa dos nossos
direitos, pois o fato é que a cada dia saem novas portarias,
regulamentos, orientações normativas, tudo em detrimento de nossos
direitos, dentro de um sistema totalmente cooptado pelo partido que
governa o país. Quem não é submisso às determinações por
alinhamento doutrinário, o é por medo de punições, que podem ir
desde o preterimento a uma promoção ou remoção de direito, até
uma punição explícita.
Tenho
visto batalhas isoladas, alguns advogados que em busca dos direitos
de seus clientes se movem contra os absurdos que são praticados
contra nós todos os dias. As chances nestas lutas isoladas não são
melhores ou piores das intentadas por uma associação de abrangência
nacional, apenas seus efeitos são ineficazes para alterar o atual
quadro.
Eu
fui um dos que começaram a fazer parte destas batalhas isoladas,
emprestando meus conhecimentos sobre as questões legais pertinentes
ao universo de armas no Brasil de forma a tentar auxiliar os
Operadores de Direito envolvidos nas novas questões derivadas das
novas e ditatoriais regras que regulam o Legislação Brasileira de
Armas de Fogo. Mas logo percebi que não é suficiente estas lutas
isoladas, pois nós não temos NENHUMA ÚNICA ENTIDADE sem rabo preso
com o Exército Brasileiro (sem CR), e que possa, no tempo devido,
impetrar um Mandato de Segurança Coletivo, ou até mesmo uma ADIN.
Ninguém faz, porque isto não dá dinheiro nem poder dentro do
atual esquema. E todos querem poder, mas se precisar escolher,
preferem o dinheiro fácil.
Considerando
tudo isto pensamos em formar uma associação nacional, e no primeiro
momento convidamos um oficial graduado, reformado do Exército
Brasileiro para encabeçar esta luta. Após duas ou três semanas de
relutantes desculpas, percebemos que ficamos sozinhos. Aí sobrou
para a pessoa mais improvável do mundo fazer o trabalho: Alguém que
nunca foi visto no Congresso Nacional, nunca presidiu nem o menor dos
clubes de tiro, muito menos nenhuma federação, confederação ou
liga nacional ligada aos esportes de tiro.
Se
alguém alguma vez perguntar por que eu fiz, eu digo: Porque ninguém
mais o fez.
Eu
fiz. Fundei a Associação Brasileira de Atiradores Civis. Sou o
presidente da menor associação brasileira, que hoje está com pouco
mais de uma dúzia de membros. A ABAT não tem caixa, não tem apoio
financeiro de ninguém e de nenhuma instituição, e está
enfrentando as primeiras dificuldades ao chegar nos clubes de tiro
para propor convênios, sem ninguém acreditar que o trabalho seja
possível, ou que sendo possível, que eu o faça.
A
vontade nossa é hercúlea, e nossa proposta é ousadíssima. Como
nós, CAC's e proprietários de armas somos historicamente CORDEIROS,
meramente aceitando toda e qualquer regra que o governo nos impõe
sem resistência de forma leonina, nós nos propomos a comer leões –
daí nosso lema, “Leones Manduco”, nascido de uma conversa com o
Secretário da ABAT, Dr. Luiz César Pannain Neto. E o nosso logo,
como não poderia deixar de ser, é um lindo cordeirinho branco, com
a face manchada de sangue. Só quem usa um avental de couro branco de
cordeiro pode compreender o real significado disto.
Deixo
estas poucas linhas, que um dia pertencerão à história. Ou a
história nos dirá que desta iniciativa insólita nasceu a maior e
mais forte associação de proprietários de armas do Brasil, ou a
história nos dirá que os atiradores brasileiros se renderam sem
lutar. Espero que vença a honra, e não a vergonha.