terça-feira, 10 de agosto de 2010

Burdogão

De 1992 ao final de 1997, prestei serviços para um escritório de advocacia em São Paulo-SP, como rábula e programador de computadores.

Comecei programando em Clipper, e quando pretendia migrar para programação visual, foi lançado o Delphi. O PCB, dono do BBS Canalvip, tinha assinaturas da Borland, e na semana do lançamento do Delphi, recebeu os primeiros disquetes de 1,44”, que eu, lógico, copiei. Gostei tanto que acabei comprando todas as versões do Delphi, até 1998, quando parei de programar.

O trabalho como rábula também acabou resultando no Curso de Direito, que cursei com muito gosto.

Mas, de volta ao escritório, lá tinha um programador, muito bom em Clipper, que era carinhosamente chamado de Burdogão. Moreno, muito simpático, e pouco falante, ele sempre andava com uma jaqueta de lã com capuz, que ele mantinha fechada. Sempre. Eu nunca o vi sem aquela jaqueta, nem muito menos com a jaqueta com o ziper aberto.

Além dos serviços do escritório, eu e o Burdogão também fizemos alguns poucos programas para outros clientes, me lembro especialmente de um programa que fizemos para uma fábrica de plásticos, e para um laboratório de fotografias. Geralmente eu fazia o fluxograma e o layout das páginas do programa, e bastava explicar o que pretendia, o danado do Burdogão sempre conseguia fazer o código necessário, e sempre da forma como eu gostava, tudo organizado em objetos.

Em 1998 eu me mudei para Araraquara-SP, e perdi contato com o Burdogão, até que em 2001 eu estava montando minha própria LAN, no escritório que eu estava começando, e estava trabalhando tanto, que não conseguia fazer a programação necessária. Fui até a casa do Burdogão, em Osasco-SP, ninguém sabia dizer a seu respeito, mesmo assim deixei recado. Em menos de uma semana ele me ligou, perguntei se ele estava interessado em trabalhar em Araraquara, e ele apenas me disse que me daria a resposta em alguns dias. Daí em diante não tive mais notícias dele, fui roubado pelos sócios, e acabei perdendo a empresa. Não me preocupei com o Burdogão, porque, afinal de contas, as pessoas normalmente não gostam de mudar para cidades a 300 km de distância de sua casa, para trabalhar.

Assim se passou algum tempo.


Entre 2002 e 2003 eu estava no fundo do poço, em depressão profunda, quando o telefone tocou, na casa de minha sogra, e eu atendi. Era uma mulher, que me disse que era mulher do Burdogão. E eu nem fazia idéia de que o Burdogão tivesse uma mulher.

Esta mulher então começou a me contar que naquele dia estava mexendo nas coisas do Burdogão, e encontrou um número de telefone, ligou sem saber se era eu mesmo, a pessoa com quem ela pretendia falar.

Segundo ela, o Burdogão (não, ela não conhecia ele com este nome, nem eu me lembro o nome correto dele), com quem ela teve uma filha, havia ficado extraordinariamente entusiasmado com meu chamado. Havia contado prá ela, estava já começando a arrumar suas coisas para vir para Araraquara. Passou dois dias bastante animado, contando diversas aventuras que vivemos enquanto fazíamos os softwares, os clientes que atendemos, os problemas que resolvemos, o pouco dinheiro que conseguimos receber, coisas assim. E, no final de dois dias, sofreu um ataque cardíaco fulminante, e morreu.

E foi assim, que eu, no fundo da depressão profunda, tive a notícia da morte do meu amigo, que não retornou a ligação, com a melhor desculpa que alguém já pôde inventar neste mundo.

3 comentários:

Puro Leite disse...

Arnaldo, agora fiquei curioso pois no final da história fiquei sem entender se o Burdogão morreu ou se foi uma desculpa para nã ir trabalhar com você.

Puro Leite disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Arnaldo Adasz disse...

Sim, o Burdogão morreu enquanto se preparava para vir trabalhar comigo, e enquanto a esposa dele não telefonou e não me contou sobre o vivo entusiasmo dele pelo convite, eu fiquei achando que ele havia simplesmente me dado o bolo...