domingo, 16 de março de 2014

Fundação da ABATE – Associação Brasileira de Atiradores Civis


Eu sou um atirador registrado no Exército Brasileiro, mas confesso que conheço pouco de vasta gama de modalidades existentes nos esportes de tiro. Agora que me aproximo dos meus cinquenta anos de idade, adquiro uma consciência cada vez maior de tudo o que eu não sei – mas sou grato a cada dia, por cada lição que me é dada.

É que minha experiência no tiro desportivo é modesta, mas antiga. Meu pai me ensinou a atirar quando eu tinha 7 anos de idade. Assim que eu consegui segurar a pesada espingarda espanhola calibre 16 de dois canos, comecei a fazer tiro em latinha, enquanto os moleques da minha idade ainda sonhavam com uma espingardinha de chumbinho. Tinha que me encostar em algum mourão, para não ser derrubado para trás. Ainda antes disto, minha mãe me conta que eu cheguei a ficar doente, de tanta vontade que eu tinha que ela me comprasse uma espingarda de rolha que eu havia visto na Lapa, bairro de São Paulo. Meu primeiro ato como homem adulto, no dia do meu aniversário de 18 anos, foi comprar uma pistola Taurus PT-57, recém-lançada quando o calibre 7,65mm se tornou permitido. Quando completei 21 anos, comprei um snubby .38, tirei porte, e só tirava a arma da cinta para tomar banho. Todas as vezes que eu podia, ia nas quartas à noite na Hebraica queimar um pouco de munição canto vivo. Em vez de levar as garotas para um jantar, as levava para o clube de tiro. Algumas vezes dava certo! E naquela época só rico tinha CR – a gente ia no clube, apresentava identidade e registro da arma, entrava e atirava. Simples assim. Se estivesse sem arma, apresentava só a identidade e atirava com armas do clube, na época algum revólver calibre .22.

Dizem agora que a gente vivia em uma ditadura. Nunca vi isso. A gente tinha liberdades civis que agora são impossíveis – e hoje nossas liberdades estão sendo tolhidas sem reação.

Se alguém me perguntar se já fiz alguma coisa errada com uma arma, digo sem dúvidas – tem dia que saia sem ela. Um pouco menos errado foi ter andado com a arma na cintura com o porte vencido, o pessoal da ROCAM em São Paulo me levou para a delegacia lá no Ibirapuera, e tomei uma bronca do delegado, que exigiu que eu levasse o PROTOCOLO do porte para poder sair com a arma da delegacia. A minha arma ficou lá, sozinha, naquela sala escura da delegacia.... (snif...) No dia seguinte apresentei o protocolo para o delegado, coloquei o burdoguinho na cintura, e fui embora, continuar a minha vida.

Quando a lei mudou e a gente precisou tirar porte federal, nunca mais tive porte de armas. Passei um período confuso de minha vida, aquele momento de transição em que repensamos valores, a vida dá muitas voltas, diversas viradas, trabalhei e estudei, estudei e trabalhei, e estudei mais um pouco – sem dizer o período em que trabalhei com ciência, onde trabalho e estudo se tornaram uma coisa só.

Como não consigo ficar fora dos esportes de tiro, nem que fosse para dar uns tiros em latinha na fazenda, a única opção foi tirar CR no Exército Brasileiro. Opção cara, burocrática, demorada... Mas que até há pouco tempo atrás, funcionava. Acabei dando aulas de Balística Forense em uma faculdade, um daqueles casos em que a gente nem sabe se está trabalhando ou apenas se divertindo.

Desde o exato momento em que eu tirei meu CR, tenho visto a cada dia mais e mais regras, regras restritoras e constritoras, serem despejadas sobre nós – CAC's, proprietários de armas, clubes de tiros, etc.

Na esteira destas regras, e às vezes até forçando A CRIAÇÃO de novas regras, vêm os clubes, federações e confederações. Para os clubes foi providencial a regra do EB que obrigou todos os atiradores a se afiliarem, do dia para a noite nasceram clubes inteiros. E as regras que nos obrigam a estar filiados a Confederações para poder obter GTE nacional e autorização de compra de armas de calibre restrito criou confederações SEM FEDERAÇÕES, na verdade um pequeno escritório que cobra as anuidades, emite as requisições, apenas isto. Resumindo, muita gente passou a ganhar a vida na esteira do aumento da burocracia. É verdade que também houve um grande crescimento da atividade desportiva do tiro, mas isto também deve ser objeto de um trabalho mais coordenado: Alguns presidentes de clubes, e volto a recitar, presidentes de federações confederações e ligas, também se sentem solitários e isolados, lutando contra o mundo e contra a miríade de regras que limitam nossas atividades, pois até o momento não existe um mecanismo coordenado para fazer combate de forma séria, dentro dos limites dos recursos legais que nossa Constituição Federal nos dá.

Burocracia é a mãe da corrupção. Quanto mais burocracia, mais corrupção. A corrupção é basicamente isto, complicar tudo, e depois dar o “jeitinho brasileiro” para liberar o que ficou complicado demais. Mas tanto a burocracia quanto a corrupção tem um preço, maior do que o que se cobra: A perda da confiança no sistema.

A propriedade e o uso de armas no Brasil se tornou uma questão delicada desde o momento em que o governo passou a ver o povo como seu inimigo (campanhas do desarmamento). Se é verdade que ficou muito difícil de se cumprir a imensa maioria das regras (ou impossível, quase sempre), o fato de existir corrupção ou “quebra-galhos” nos procedimentos administrativos é um ponto contra toda a comunidade de atiradores brasileira. Se o governo está errado, precisamos combater a situação atual de acordo com as regras do Direito, sob pena de estarmos nos tornando tão criminosos quanto os bandidos que determinam que as vítimas entreguem suas armas em detrimento dos bandidos. E me desculpem aqueles que se julgam honestos, mas propagam as doutrinas do desarmamento civil: Vocês estão prestando serviços EXCLUSIVAMENTE para os bandidos, muitas vezes com o salário pago por nós, as vítimas. Por este motivo posso afirmar hoje, sem nenhum medo de errar, que quem prega o desarmamento é bandido. Se não comete os crimes por si só, é bandido por derivação – o dano social é o mesmo.

Com o passar do tempo observamos os vários atores pró e contra o desarmamento, dentro e fora do Brasil, e ao analisarmos suas histórias, vemos que a coisa pode sempre se resumir de forma extraordinariamente simples: Ninguém desarma seu amigo, mas apenas seu inimigo. Se o Ministro da Justiça vai a público e afirma que o único motivo para existir o desarmamento é o risco de acidentes domésticos com armas de fogo, e que o objetivo da campanha do desarmamento não é desarmar o bandido, a falácia flutua e se torna aparente. A tendência da massa fecal é sempre flutuar. O nosso dinheiro DEVERIA estar sendo gasto em políticas de segurança pública, combate ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas ilegais – mas é desviado para se retirar as armas com que o cidadão decidiu defender sua casa e sua família.

Alguns heróis brasileiros se levanta solitários, como o Prof. Benê Barbosa, em uma campanha que em algum momento chegou a parecer quixotesca, contra poderosas ONGs financiadas pelo governo brasileiro e ONGs e governos de outros países. O trabalho do Prof. Benê ainda renderá livros e monografias, e hoje eu tenho a honra de conhecê-lo, poder apoiar e confiar em seu trabalho, dando o pouquíssimo suporte que eu pessoalmente consigo. Mas o que eu faço em prol de sua militância, o faço de todo o coração, ciente da importância de seu trabalho, e da diferença que faz e fará em nossa história, e na história da defesa dos direitos civis no Brasil. O trabalho do Prof. Benê é bonito e tem muitos méritos, ele vai lá e dá a cara a tapa, dá entrevista, se submete a sessões no Congresso Nacional, arregaça as mangas e faz acontecer. E como a justiça (o direito natural) e o bom senso estão ao seu lado, tem obtidos grandes vitórias. Só quem é dono de uma gigantesca desonestidade sustenta o desarmamento dos homens de bem de uma nação inteira, e mesmo estes, graças ao trabalho do Prof. Benê, agora o fazem tendo que ASSUMIR seu desvio moral.

Sobre as ONGs desarmamentistas, elas vivem em um paraíso. O dinheiro vem fácil para quem defende ideologias marxistas, e o exército de idiotas úteis com os cérebros formatados segundo as ideologias de governos, fruto de pelo menos duas ou três décadas de doutrinação nas maiores universidades do país, são público constante, gerando efusivos aplausos a cada vez que o governo consegue aprovar alguma lei desfavorável aos civis proprietários de armas, ainda que através de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, desvio de verbas públicas, lavagem de dinheiro e tantos outros esquemas criminosos. Os culpados vão até presos, mas as leis mensaleiras continuam em vigência, com todos os seus malefícios.

Recentemente, com o boom do Facebook, nasceram várias entidades de defesa dos direitos dos atiradores, cuja militância acontece quase que, senão exclusivamente, via internet. Mas nenhuma delas enfrenta as situações em campo, vendo as autoridades olho no olho, cobrando o que deve ser cobrado, exigindo o que deve ser feito. Nenhuma delas se propõe a fazer um ofício para uma autoridade exigindo explicações ou providências. É muito confortável ser um combatente em casa, atrás da tela de um computador. É fácil perceber que só isto não é suficiente, não resolve os problemas de quem quer comprar sua arma para ter em casa mas tem o direito negado por um delegado federal, o que dizer então de um desportista com diversas armas, ou um clube de tiro em pleno e real funcionamento...


Eu vejo a internet com uma coisa boa, graças ao meu amigo Paulo Cesar Breim eu tive a honra de viver a pré-história da internet no Brasil, meu primeiro e-mail eu obtive alguns anos antes de nascer a internet comercial no Brasil. Mas a internet é apenas uma ferramenta. Uma ferramenta cada vez melhor, cada vez mais poderosa, com grande influência no pensamento, e com uma capacidade de conformação do pensamento que até recentemente era quase exclusiva da televisão. Se isto não fosse verdade, nosso governo não estaria em pânico buscando cada vez mais controlar este meio de comunicação. Mas para nós, CACss e proprietários de armas, não é suficiente ficar dando opiniões na internet. A militância do Prof. Benê mostra isto.

Neste contexto ficou bem claro que existe uma lacuna na defesa dos nossos direitos, pois o fato é que a cada dia saem novas portarias, regulamentos, orientações normativas, tudo em detrimento de nossos direitos, dentro de um sistema totalmente cooptado pelo partido que governa o país. Quem não é submisso às determinações por alinhamento doutrinário, o é por medo de punições, que podem ir desde o preterimento a uma promoção ou remoção de direito, até uma punição explícita.

Tenho visto batalhas isoladas, alguns advogados que em busca dos direitos de seus clientes se movem contra os absurdos que são praticados contra nós todos os dias. As chances nestas lutas isoladas não são melhores ou piores das intentadas por uma associação de abrangência nacional, apenas seus efeitos são ineficazes para alterar o atual quadro.

Eu fui um dos que começaram a fazer parte destas batalhas isoladas, emprestando meus conhecimentos sobre as questões legais pertinentes ao universo de armas no Brasil de forma a tentar auxiliar os Operadores de Direito envolvidos nas novas questões derivadas das novas e ditatoriais regras que regulam o Legislação Brasileira de Armas de Fogo. Mas logo percebi que não é suficiente estas lutas isoladas, pois nós não temos NENHUMA ÚNICA ENTIDADE sem rabo preso com o Exército Brasileiro (sem CR), e que possa, no tempo devido, impetrar um Mandato de Segurança Coletivo, ou até mesmo uma ADIN. Ninguém faz, porque isto não dá dinheiro nem poder dentro do atual esquema. E todos querem poder, mas se precisar escolher, preferem o dinheiro fácil.

Considerando tudo isto pensamos em formar uma associação nacional, e no primeiro momento convidamos um oficial graduado, reformado do Exército Brasileiro para encabeçar esta luta. Após duas ou três semanas de relutantes desculpas, percebemos que ficamos sozinhos. Aí sobrou para a pessoa mais improvável do mundo fazer o trabalho: Alguém que nunca foi visto no Congresso Nacional, nunca presidiu nem o menor dos clubes de tiro, muito menos nenhuma federação, confederação ou liga nacional ligada aos esportes de tiro.

Se alguém alguma vez perguntar por que eu fiz, eu digo: Porque ninguém mais o fez.

Eu fiz. Fundei a Associação Brasileira de Atiradores Civis. Sou o presidente da menor associação brasileira, que hoje está com pouco mais de uma dúzia de membros. A ABAT não tem caixa, não tem apoio financeiro de ninguém e de nenhuma instituição, e está enfrentando as primeiras dificuldades ao chegar nos clubes de tiro para propor convênios, sem ninguém acreditar que o trabalho seja possível, ou que sendo possível, que eu o faça.

A vontade nossa é hercúlea, e nossa proposta é ousadíssima. Como nós, CAC's e proprietários de armas somos historicamente CORDEIROS, meramente aceitando toda e qualquer regra que o governo nos impõe sem resistência de forma leonina, nós nos propomos a comer leões – daí nosso lema, “Leones Manduco”, nascido de uma conversa com o Secretário da ABAT, Dr. Luiz César Pannain Neto. E o nosso logo, como não poderia deixar de ser, é um lindo cordeirinho branco, com a face manchada de sangue. Só quem usa um avental de couro branco de cordeiro pode compreender o real significado disto.

Deixo estas poucas linhas, que um dia pertencerão à história. Ou a história nos dirá que desta iniciativa insólita nasceu a maior e mais forte associação de proprietários de armas do Brasil, ou a história nos dirá que os atiradores brasileiros se renderam sem lutar. Espero que vença a honra, e não a vergonha.