terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nas águas de meus sonhos

Sonhei com um rio. Senti que o rio era minha própria vida.

O meu percurso é rio acima, em direção à nascente. Eu quero estar lá, de onde brota a vida, mas estou fraco e cansado. Nado, mas não consigo vencer a corrente.

Já houve dias em que eu tinha os meios para subir a corrente me divertindo, praticamente sem esforço algum. Era um dia como hoje, e ter estes recursos era tão natural e explicável como hoje é não tê-los. Tudo é igual, exceto que estou sem estes recursos.

Observo quem nunca teve os mesmos recursos que me restaram, e vejo que para eles a subida não parece tão difícil, pois desde o início sempre souberam que deveriam contar exclusivamente consigo mesmos, então seus corpos ficaram mais brutalizados, endurecidos, e resistentes ao grande esforço necessário. Quem sempre soube depender quase que exclusivamente dos braços e das pernas os têm mais fortes. A subida destes é lenta, e muitas vezes passam anos no mesmo lugar. Quando são arrastados por um turbilhão mais forte, lutam empedernidos, e se contentam em chegar novamente ao lugar onde estavam acostumados. Então, junto com a maior força física, existe neles um conformismo com a situação, que para mim é impensável.

Quando a tempestade levou os meios que eu detinha para subir o rio, a depressão ainda tirou a pouca força que restava em meus braços, e rapidamente fiquei à deriva.

Afundei.

E continuei afundando, sem saber se estava nadando para baixo ou para a superfície, confuso. Na falta de encontrar a superfície, queria encontrar o fundo, que também me faltava. Passei a enfrentar a realidade da morte próxima, e quando não suportava mais o esforço, passei a desejar a própria morte como meu descanso merecido e almejado.

Mas a morte não veio. Veio a superfície, a dor, a inércia. Não sabia o que fazer, e nem sequer tentei fazer o que sabia que deveria. Eu via a margem passando enquanto a corrente me levava, mas a margem me era estranha.

De qualquer forma, saber que tinha voltado tanto no percurso foi muito frustrante. Em alguns momentos senti alguma força, e imaginei que teria a meu favor o fato de já haver passado por aquela parte do rio. Mas tudo me era estranho, talvez porque quando estive nesta parte do rio, muito tempo atrás, eu enxergava o rio com outros olhos, ou quem sabe seria o tempo que havia mudado tanto o rio, as margens, ou eu próprio.

Seguir o mesmo caminho, mas de forma diferente, me colocou cada vez mais em lugares estranhos e inesperados, e isto me incomodava, porque eu buscava alguma referência conhecida, algo com que eu já soubesse lidar.

Eu tentava subir o rio da forma como achava que sabia, mas todas as vezes acabava chegando no mesmo ponto, pois por vezes eu subia o rio para apenas descer novamente, ou às vezes até um pouco mais.

Até que eu compreendi que seguindo o caminho dantes percorrido da forma como eu havia feito antes, não me levaria aonde eu pretendia chegar, mas apenas e tão somente onde eu estava naquele momento.

Foi quando comecei a ver que outras pessoas estavam estabelecidas na margem do rio, e que estavam no mesmo ponto do rio que eu já havia atingido, sem no entanto estarem de qualquer forma tão preparadas como eu estava. Eu já havia subido e descido várias vezes, passando por aquela parte do rio sem prestar muita atenção. Aquelas pessoas, no entanto, estavam lá e se sentiam em casa, não queriam mais ou menos do que haviam conquistado, e me olhavam como o estranho que para elas eu era. Mais ainda, quando elas me viam frustrado por estar ali, se sentiam feridas em seu orgulho, pois estar lá para elas era uma vitória. Quando viam que eu me sentia derrotado por estar ali, sentiam-se ofendidas. De qualquer forma, tive que sair para a margem, me estabelecer ainda que temporariamente, até conseguir novas forças, e mais recursos para continuar minha subida.

Estando na margem eu evito olhar para o rio, evito até pensar que o rio está lá. Eu tento evitar a dolorida consciência de que alguns estão lá no rio, alguns subindo, outros lutando para ao menos permanecer no mesmo ponto. Mais ainda, tento evitar pensar noutros que, tendo subido comigo, já se encontram muito mais perto da nascente.

De fato, daqueles com quem estive lá em cima, alguns subiram além daquele ponto, poucos permaneceram, a maioria desceu, alguns ainda estão descendo.

Ainda estou aqui, na margem. Estou construindo as novas ferramentas através das quais vencerei o rio, mas agora quando as faço, tenho uma visão diferente das necessidades e dificuldades, e também das minhas fragilidades. Minhas novas ferramentas são melhores, mais seguras, mais eficientes. Ainda não estou realizando sonhos, estou apenas trabalhando com um objetivo. Minha grande dificuldade ainda é desviar o foco das grandes frustrações e desilusões que consomem a minha alma, e colocar força cada vez maior na construção dos meios necessários para a empreitada.

Tento também, neste momento, não prestar atenção àqueles que estão ao lado, rindo e falando sem compreender minha dor. Fico cabisbaixo, mas aproveito para enrijecer meu corpo, porque agora já sei a dura empreitada que tenho pela frente.

Tenho também plena consciência de que quando meu corpo e meu espírito estiverem sarados, (clamo a Deus para que isto ocorra rapidamente), e quando tiver todas as ferramentas que necessito, não vai adiantar procurar o velho rio. Aquele velho rio, de águas passadas, já não serve senão para que eu me lembre de todas as experiências que nele vivi.

Vou me atirar para o rio de águas frescas, com a ousadia de quem busca o novo, sempre atento para buscar a MINHA fonte. Eu sei que tenho que buscar realizar os meus próprios sonhos, porque pior do que ter que começar tudo de novo, seria chegar ao final e descobrir que percorri todo o caminho para realizar um sonho que não me pertence.